Alice 7
De
frente para o espelho, Alice não se conseguia decidir pela roupa a usar. Se por
um lado as mãos lhe fugiam para os jeans e uma sweat confortável, por outro, os
olhos escolhiam um vestido de lã, com umas mangas compridas, a ¾, e um decote
ousado, de cor de chocolate que ficaria a matar com umas botas de cano alto que
estavam mesmo ao lado do armário a chamarem pelo seu nome.
-
Bolas! Tim, ajuda-me o que é que eu levo? Este ou este? – Perguntou ao cão mostrando-lhe
o vestido numa mão e as calças noutras.
O
animal, guiado pelo cheiro e pelas recordações que as calças lhe traziam, de
passeios dados com a dona em que ela as usara, e como se percebesse a pergunta
e adivinhando a intenção de um passeio, ladrou alegremente para as calças
abanando o rabo de satisfação.
- Estas,
não é? Também acho. São muito mais práticas.
Nem sei porque é que olhei para o vestido. – Alice concordava com ele
enquanto se vestia.
- Tu é
cá dos meus! - Disse-lhe afagando-lhe a cabeça.
Como
resposta obteve mais um ladrar de satisfação e pulos de contentamento.
- Já
sei, já sei. Queres ir comigo, não é? Acho que sim. Assim tenho uma desculpa
para sair e deixar o chato em casa.
Referia-se
ao marido que nem nos fins de semana largava aquele maldito computador. Se
pensasse bem não saberia dizer quando tinha sido a última vez que tinham saído
juntos.
Não se
lembrava!
A não
ser para ir ao supermercado ou a casa de um ou outro amigo, e isso, toda a
gente sabe, não conta!
Ia ter
com ele ao escritório para lhe dizer que is sair, quando se lembrou de que ele
não estava em casa. Tinha ido a um congresso e só voltaria a meio da semana.
-
Estou mesmo a ficar xexé! - Riu-se para
o Tim que pulava como um louco ao vê-la agarrar o peitoral.
-
Calma, calma. Assim não consigo. Quem te visse agora pensaria que és um
prisioneiro que nunca sai à rua.
Ao
ouvir a palavra “rua" e ao ver a trela na mão da dona, Tim ficou ainda mais
doido, como se isso fosse possível…
Começou
a latir e a pular desalmadamente, uma imagem que quem tem cães conseguirá perfeitamente
identificar.
Quem
não tem, tente imaginar um cão louco aos pulos e a latir, a correr entre a
porta e a dona que desesperada lhe tenta enfiar o peitoral pelas patas que ora
estão no chão, ora estão no ar, desenfiando o que já estava enfiado e enfiando
nos sítios errados o que estava por enfiar.
- TIM
PÁRA! – Gritou enervada, ao fim de algumas tentativas frustradas para o equipar.
-Tenho
mesmo de te levar a um treinador. Tu estás impossível! Ou páras imediatamente,
ou ficas em casa!
Tim, que
de parvo tinha muito pouco, percebeu que era a altura de parar, e de repente,
como um cordeirinho, sentou- se a olhar para ela e a abanar o rabo. Depois
estendeu uma pata para ela a enfiar no peitoral e depois a outra e num ápice
estava pronto para sair.
- Vês?
Se fores sempre assim é muito mais fácil. Para ti e para mim. E saímos mais
depressa.
- Uof,
UoF! – Concordou começando a ir para a porta.
- Anda!
Despacha-te! – Parecia querer dizer-lhe.
- Sim
vamos já. Deixa só por o cachecol e o
gorro. Eu não tenho o pêlo que tu tens, e lá fora o frio aperta.
Pegou
nos acessórios e olhou- se ao espelho para os colocar e avaliar-se.
Não
era vaidosa por natureza, mas naquele dia apetecia-lhe estar bonita.
Os
seus cabelos longos de um ruivo acastanhado, espreitavam por baixo de um gorro creme
que conduzia com a camisola de gola alta, fofa e verde azeitona que lhe
realçava o pescoço longo e fazia par com os olhos verdes, grandes, brilhantes e
que sorriam mesmo quando os lábios, bem desenhados e de um vermelho que
dispensava o bâton, ficavam quedos.
O cachecol,
da mesma cor do gorro, dava duas voltas ao pescoço e terminava nos jeans,
justos, que lhe tornavam as pernas longas e atléticas características de quem
caminha muito.
Nos
pés, umas botas elegantes e confortáveis, de pele castanha com atacadores e um
pouco de salto para que não parecesse tão pequena ao lado do marido.
Afastou-
se dois ou três passos e rodopiou ao espelho.
- Que
tal? Aprovado? – Perguntou ao Tim, que farto de estar à espera, deitou-se no
chão com um ar amuado.
Alice
compreendeu e riu-se:
-
Pronto, pronto. Vamos já sair.
Saíram,
e o vento tão, badalado pelos noticiários, fez-se anunciar trazendo com ele o frio,
prometendo ambos a chuva.
Alice estremeceu
e deu graças a Deus por não ter trazido o vestido. Iria congelar com toda a
certeza.
Confiante
e alegre começou a caminhada. Ainda era um esticão até à livraria, mas isso
nunca a assustara e até era bom para pôr as ideias em ordem pelo caminho.
- Ponto
n 1 – Dizia para si própria. – Vou lá apenas e unicamente pelo livro. E porque
ele me pediu ajuda para a sua vida rotineira.
- Ponto
n 2 – Parou para ver se era seguro atravessar a passadeira. Esperou uns
segundos e depois avançou. Já do outro
lado da rua, continuou:
- Ponto
n 2 – Não vou perguntar ou sequer pensar porque é que a um domingo ele não está
com a família. Não me diz respeito.
- Ponto
n 4 – Distraída com uns miúdos que passaram a correr, enganou-se na contagem. Está
tudo bem entre mim e o esquilo (nome carinhoso que dava ao marido e que
tinha a ver com o modo como se conheceram). Isto é só um desafio.
- Ponto n 5…
Pedro, por seu lado, escrevia no caderno.
Estava a fazer um jogo perigoso, o que não
era nada típico dele, mas não se conseguia controlar.
A pessoa, quem quer que fosse, aparentemente
tinha desistido e ele não queria que ela ficasse desapontada e a achar que os
outros tinham razão quando a acusavam de ser tola e infantil.
Não sabia porque se importava tanto com ela,
afinal mal a conhecia, mas também estava numa fase da sua vida que não lhe
apetecia aprofundar, e analisar muito, a palete de emoções que ultimamente
andava a sentir. Sabia que se o fizesse provavelmente as coisas não correriam
bem entre ele e Isabel, a sua mulher, e por isso preferia arranjar coisas que
lhe mantivessem a mente ocupada, que lhe estimulassem a imaginação e o gosto
pela aventura.
E isto surgira-lhe assim, do nada, e parecia uma
resposta dos céus.
Ajudava alguém, o que para ele era uma missão
de vida, e ao mesmo tempo tinha um desafio pela frente. Só esperava não fazer
asneira e estragar tudo, por isso tinha de ter muito cuidado com o que fazia…
Assim, aproveitando o sol que entrava pela
janela, e com uma grande caneca de café na mesa ao lado do cadeirão onde se
tinha sentado, fechou os olhos, sentiu o calor que vinha da rua e inalou o
aroma do café, deixando-se guiar por ele pelos caminhos da imaginação.
Já vi que
acertaste em mais um desafio. Parabéns. Passaste a primeira fase. Agora sim, quero
saber um pouco mais de ti.
Diz me qual o
teu maior desejo e qual o teu maior medo. Se não tiveres coragem para o fazer,
começa por coisas simples, como:
- Qual a tua
cor favorita?
- De que
comida gostas mais?
Voltou a colocar o livro
na prateleira. Tornou a sentar-se e releu, mentalmente, o que escreveu.
- Parvo! Estás parvo? Só
podes! Como é que escreveste aquilo? Rasga a folha, anda! Antes que ela chegue.
De um pulo, levantou-se e
foi à prateleira para fazer o que pensara. Agarrou o livro e…
- Pedro?! Estás bom? Nem
esperaste por mim…
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