Alice 5

  - Ele respondeu? – Pedro fez um grande esforço para não largar o cliente e ir ter com ela.

Alice não lhe respondeu. Já sentada no cadeirão, com o livro aberto, lia e relia o que estava escrito, sem falar, tentando as assimilar o conjunto de letras que se apresentavam escritas a preto numa página creme.

Esse conjunto estava disposto em palavras que por sua vez se organizavam em frases e que diziam o seguinte:

Terá sido o sobrinho?

Terá sido o veneno?

As probabilidades assim o indicam

As certezas, porém, no ar ficam…

No ar fica também, a nossa identidade

E ainda bem, para te dizer a verdade.

O homem duplicado teve um triste fim, morreu sem a honra do soldado, numa terra sem fim. O outro também não teve melhor sorte, ao regressar à família, a quem já tinha perdido o norte.

Para mais de mim saberes

Mais vais ter de descobrir

Terás de provar o chocolate

E o livro abrir

Procura na página

Cujo número é sagrado

Na terceira estrofe

Encontrarás algo do teu agrado

Alice olhava sem saber o que pensar.

O homem estaria parvo? Não havia dúvida que tinha descoberto o enigma que ela lhe propusera, mas o que queria ele?

Provar o chocolate?

Ora…que fosse dar uma curva. Os seus amigos tinham razão, aquilo era coisa de gaiatos. E ainda por cima em rimas?! E mal feitas!!!

Estava frustrada. Não sabia como reagir. Se por um lado se sentia ridícula e começava a dar razão aos seus amigos, por outro algo dentro de si insistia com ela para que aceitasse o desafio.

- Alice? Então o que é que ele respondeu?

Pedro tinha finalmente despachado o cliente e estava de fronte dela. Tão curioso como ela.

Levantando os olhos do caderno, ou livro, conforme lhe queiram chamar, Alice devolveu-lhe a pergunta:

- Não viste quem foi? Não viste se era homem ou gaiato? Não viste quando veio?

- Não… - Pedro desolado abanava a cabeça.

- Mas sabes se foi hoje ou ontem? Ou noutro dia? Terá sido de manhã, à tarde? Depois do horário de trabalho?

- Não sei. Lamento. Tive de me ausentar por um par de horas, e o meu sobrinho é que ficou a tomar conta da loja. E às vezes juntam-se duas ou três pessoa no balcão e eu não consigo ver...

Sentou-se noutro cadeirão, ao lado do dela, sentindo-se embaraçado por ter falhado na sua missão.

- E ele não viu nada?

- Não lhe disse para estar atento…Lamento…

Olhava-a com um ar de “cachorro abandonado”. Naquele momento não parecia o homem alto e bem constituído, uma pessoa de sucesso, com um negócio para gerir. Parecia um miúdo apanhado em falta e muito comprometido com isso.

Alice teve pena dele.  Levantou-se e entregou-lhe o livro para as mãos, indo postar-se à entrada do jardim, deixando-se embalar por aquele sol de fim de tarde.

Pedro leu o que ela já tinha lido e, levantando-se, comentou:

- Mas livros com chocolates há imensos. Ele não está à espera de que leiamos todos, pois não?

Sem querer falava no plural, assumindo de uma forma inconsciente que eram uma equipa. Alice também não tomou consciência do facto. Assumiu-o como uma coisa natural e respondeu-lhe, virando-se para ele.

- Também achas que é um “ele”?

- Não. Não sei. Tu falas sempre “nele”, e eu assumi que era. Para te ser sincero nunca pensei muito nisso. – Sorriu tentando com o seu sorriso ir buscar o dela.

Não conseguiu.

- Pois. Nem sei o que pensar. O meu marido e os meus amigos acham-me tola. Acham que isto é coisa de gaiatos e que eu sou uma palerma por estar a perder o meu tempo com isto. Acham-me ridícula e eu sinceramente começo a dar-lhes razão.

Alice era assim. Tão depressa se entusiasmava e movia montanhas e mundos, como a seguir desanimava e sentia-se a pior das criaturas à face da terra. O desanimo e o ridículo que sentia naquele instante notava-se-lhe nos olhos, que tinham perdido o brilho.

- Não digas isso. Eu não te acho ridícula!

Pedro acercou-se dela, sem, no entanto, passar a linha do socialmente aceite.

- Tu estás só a ser simpático. Mas no fundo pensas como eles.

Respondeu sem se virar.

- Pareces a minha mulher. – Brincou. -  Pensa que sabe sempre o que eu penso, e nunca pensa que é o que digo.

Ela virou-se.

- Ouve. – Desta vez ele aproximou-se mais e colocou as suas mãos nos braços dela. – Porque é que estás assim? Do que é que estavas à espera? Ele, ou…ela, respondeu-te. Não era o que querias?

Alice corou, sentindo-se ainda mais ridícula.

- Era. Era sim, mas…

Calou-se e abanou a cabeça e encolheu os ombros. dizendo-lhe que esquecesse o assunto.

- Mas? – Ele insistiu não a largando.

Alice suspirou. Não conseguia dizer porque estava assim.

Na verdade, não sabia bem porque estava assim. Se racionalizasse, como o seu marido lhe estava sempre a dizer para fazer, não havia razão para se sentir frustrada, mas a verdade é que se sentia.

Se Alice pensasse bem, e abrisse a porta “da gaveta” que mantinha bem fechada, chegaria à conclusão que a deceção se devia ao facto de a resposta não a estimular para um desafio que trouxesse animo à sua vida monótona e solitária.

Que estava assim porque ao achar que os outros tinham razão, e que aquilo ao invés de ser um enigma proposto por alguém muito inteligente e com uma mensagem para transmitir, era apenas uma brincadeira de miúdos e que ela, tolamente, aceitara, significava que teria de voltar ao “Ram ram” da sua existência, o que a fazia sentir como se fosse uma prisioneira a quem lhe mostraram a rua para depois lhe fecharem a porta impedindo-a de sair…

Mas essa gaveta ela não vasculhava. Essa gaveta tinha de estar bem fechada pois abri-la implicava mudanças na sua vida que ela não estava preparada para tomar.

Assim, ela não respondeu limitando-se a abanar a cabeça.

- Estavas à espera de um outro tipo de resposta não era? – Perguntou-lhe ele meigamente.

- Acho que sim. – Respondeu a meia voz e olhando para o chão.

- Então não desistas. Eleva a fasquia. Conduz tu o processo. Eu posso ajudar-te.

Ela olhou-o tentando assimilar o que ele lhe dizia. Depois sorriu e perguntou-lhe:

- Porquê?

 




 

 

 

 

 

 

 

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