Alice 6
- Porquê o quê?
- Porque é que me queres ajudar? – Ela afastou-se dele e sem querer tomou uma atitude defensiva.
- Por motivo nenhum em especial. Porque como te disse não te acho ridícula, e porque tal como tu, eu também preciso de algo estimulante para a minha vida que se tornou monótona.
Bingo! Ele tinha aberto a gaveta.
- A minha vida não é monótona! – Defendeu-se ela com palavras, embora o vermelho que tingiu o seu rosto dissesse algo diferente.
Ele olhou-a demoradamente nos olhos e sorrindo respondeu-lhe:
- Pois, mas a minha é. E tu vais ajudar-me. Ou não queres?
Ela sorriu. Tinha recuperado a boa disposição.
- Mau. Mas afinal quem é que ajuda quem? – Retorquiu divertida.
- Ajudamo-nos os dois. – Respondeu ele prontamente. – Olha tenho de ir atender aquela senhora. Falamos depois?
- Sim. Claro. Eu também tenho de ir.
Ele piscou-lhe o olhou e subiu em direção ao balcão da loja. Uma senhora de aspeto roliço e com um chapéu engraçado na cabeça, esperava impaciente que alguém a atendesse.
- Ora, muito boa tarde. Em que a posso ajudar? - Perguntou-lhe de uma forma simpática.
Alice não ouviu o que ela lhe respondeu. Arrumou o livro no lugar e apressou-se a sair. Sentia-se confusa e irritada.
À noite mal falou com o marido que, tão ocupado estava com uma reunião de trabalho, até lhe agradeceu. Gostava muito da mulher, mas não tinha muita paciência para as criancices dela, especialmente agora que estava a meio de um projeto importante que lhe permitiria subir na hierarquia da empresa.
Foi o Tim, que ao vê-la assim, se acercou dela e com duas lambidelas no rosto lhe tirou o travão que tinha na garganta e lhe ouviu os desabafos.
Sentados os dois no sofá, ou melhor, ela sentada e ele deitado, ocupando quase os dois lugares, conversavam como bons amigos que eram.
- Sabes? Há aqui alguma coisa que não bate bem. - Dizia-lhe ela. – Eu sei que o Miguel é amigo dele, e que o conhece bem, e que já me falou muito bem dele. Que gosta de ajudar, que tem um espírito jovem, que é honesto e bom rapaz, mas…Porque é que ele me quer ajudar? É estranho, não é?
Tim, ajeitou-se no colo e latiu baixinho como quem concorda com que ela disse.
- Pois eu também acho. E o que me faz mais confusão ainda, é o ele ter percebido o motivo da minha desilusão. Fiquei arrepiada!!!
Tim não respondeu. Estava demasiado confortável e quase a dormir.
- Não sei o que faça. Acho que vou desistir e mandar tudo “às urtigas” como dizia a minha avó. Deixo passar uns dias e depois pronto. Já ninguém se lembra disto. E eu também irei esquecer, não achas melhor?
Um ronco, foi a resposta que obteve.
- Já estás a dormir? Tu é que fazes bem! E eu vou imitar-te. - Disse-lhe empurrando-o a custo para fora do colo. – Anda. Vá. Eu também quero dormir e esquecer isto tudo.
A muito custo, Tim era um cão pesado, lá o conseguiu empurrar para fora do sofá e ir para a cama.
O marido continuava no escritório, no computador.
Passou-se uma semana, e depois outra, e a vida de Alice retornava à rotina. Com os seus alunos esquecera o que se tinha passado, e o novo policial que estava a ler, absorvia-lhe os tempos livres.
Era quase feliz.
- Estou? Alice?
Pedro ligava-lhe com uma voz animada.
- Sim? Pedro?
Já fazia cerca de três semanas que não se falavam, e Alice com muito esforço e determinação quase tinha apagado aquele curto episódio da sua memória.
- Olá! Estás boa? Podes falar? Ou queres que ligue noutra altura?
Alice poisou o livro que estava a ler e ajeitou-se melhor no cadeirão. Inconscientemente puxou o Tim para junto de si, que lhe agradeceu o facto de ela o deixar subir para o cadeirão. Não era costume, mas não reclamava.
- Não diz. Estava só a ler um livro…
- Não era sobre o chocolate, pois não?
Alice riu-se.
- Não. É um policial. Daqueles à moda antiga.
- Aposto que o culpado é o mordomo! – Brincou ele.
Alice tornou a rir com gosto. Ele era mesmo engraçado.
- Então, o que contas? – Perguntou ela.
- Sra. Sherlocka! A Sra. tem andado fugidia. Ausente. Mas aqui o Watson, não brinca em serviço, e resolvi responder, por nós, ao nosso amigo. Espero que não me leves a mal…
- A sério? – A pergunta saiu num tom mais alto do que queria e ela levantou-se num impulso esquecendo-se de que tinha o cão ao colo. Tim caiu ao chão, assustou-se, e começou a ladrar tornando a conversa impossível.
- Cala-te! – Ordenava ela ao animal.
- Calo-me? – Brincou com ela bem-disposto.
- Não. Tu não. O cão. Tim! Cala-te! – Ordenava-lhe irritada com ele. Aquele cão não tinhas maneiras!!!
Mas Tim, quanto mais ela gritava, mais ladrava até que Pedro ao aperceber-se do escalar da situação a convidou para se encontrarem na livraria onde ele lhe poderia mostrar o livro e conversarem com mais calma.
- Sim, sim. Pode ser. Mas hoje é Domingo…
- Não podes? Esqueci-me. Desculpa. Hoje é dia da família, não é?
- Não. Eu posso. O meu marido não está cá. Eu estava era a pensar em ti.
- Ah! Por mim não te preocupes. Encontramo-nos então daqui…a uma hora?
-Ssim...
- Então até já.
- Até já.
Alice desligou e foi-se arranjar para sair. Depois de dar uma valente descompostura ao Tim, a sua mente ocupou-se com o facto de ele não ter apresentado nenhuma razão para estar livre naquele dia…
- Pára Alice! – Ralhou-se. – Lá estás tu com as tuas coisas…
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