Carmo 18
- E se
o António do café fosse o António do…- Sandra abanou a cabeça perante esta
ideia.
- Ná!
– disse para si. - Nem num filme as coisas seriam tão rebuscadas. Tenho de
arranjar maneira de saber o que se está a passar.
-
Sabes? – perguntou em voz alta, de costas virada para Carmo. – No café
perguntaram por ti.
-Ai
sim? – respondeu Carmo de cabeça baixa, concentrada num pormenor de um desenho.
- Sim.
Parece que já lá não vais há muito tempo. Passou-se alguma coisa?
Carmo
demorou uns segundos a responder. Escondendo mais a cabeça no desenho, falou
para dentro.
- Não,
nada.
- O
quê? – Sandra aproximou-se.
- Não
se passou nada. – disse em voz mais alta, mas ainda de cabeça baixa. – Olha não
tens que fazer? A “chata” telefonou. Gostou muito da tua apresentação. Quer
discutir contigo “uns “promenorzinhos” – imitou a cliente.
Sandra,
resmungou qualquer coisa entre dentes e saiu. Foi para a sua sala de trabalho,
pegou no telefone para ligar à dita senhora, mas desistiu. Aquela ideia não lhe
saía da cabeça. Seria possível? A verdade é que Carmo andava estranha.
Mas…seria ela capaz de esconder-lhe uma coisa dessa? Não. Até porque até à umas
horas atrás ela nem tinha respondido ao “António” da aplicação. Isso ela sabia
porque lhe vira o histórico das conversas. A ser teria de ser uma coincidência…
Mas toda a gente sabe que coincidências são coisa que não existem…
Abanou
a cabeça tentando esquecer o assunto e focar-se no trabalho. Muito a custo,
pegou novamente o telefone e ligou para a tal.
- Está
lá? – perguntou ao fim de uns segundos.
Sónia,
entretanto, saíra do café para ir buscar o filhote à escola e ir entregá-lo à
dona Maria. Esta ajuda que ela lhe dava, caíra dos Céus.
De mão
dada com o Pedrito, subiu os dois lances de escada que se interpunham entre a
porta da rua e a porta da dona Maria e tocou à porta.
A dona
Maria estava do outro lado à espera, há já uns bons 10 minutos, mas como manda
o protocolo, fez um compasso de espera antes de abrir a porta. Não queria
parecer ansiosa. Este caso estava a envolvê-la mais do que era costume e isso
era algo que tomara consciência depois do episódio da paragem do autocarro. E
como não gostava da sensação, resolveu abrandar um pouco o entusiasmo.
- Olá,
Pedro! Como estás? – tratava-o pelo nome próprio porque achava que os
diminutivos atrasavam o desenvolvimento das crianças. No entanto, quando já
adultas, as pessoas de quem ela gostava, tendia a tratá-las dessa forma pelo
mesmo motivo. Retardava o envelhecimento… Coisas…
Pedro,
que não media os entusiasmos, largou a mão da mãe, abraçou com toda a força que
tinha a velha senhora e tão depressa como a abraçou, depressa a largou, e foi a
correr atrás do gato.
-
Entra. – convidou a dona Maria.
- Não
posso. Tenho de ir. Mas já falei um pouquinho com a Sandra.
- E?
- E,
ela pareceu ficar intrigada. Ficou de saber o que se passou entre eles para se
zangarem dessa maneira.
- Para
se zangarem? Mas isso eu sei.
-
Sabe?
- Sei.
E de
um modo muito resumido lá lhe contou a razão da zanga. A Carminho, como lhe
chamava carinhosamente, tinha desabafado com ela no dia em viera do café.
- Ah!
Foi só por isso? Mas que estupida!
A dona
Maria voltou a fazer cara feia perante a palavra que Sónia empregou. Estúpida,
no seu entender era uma palavra muito forte e feia. E além do mais ofendia a
sua amiga, coisa que ela não deixava passar impunemente.
- Desculpe.
- apressou-se Sónia a dizer. Tinha muito respeito por aquela senhora.
-
Então em que é que ficamos? - perguntou ao fim de alguns segundos de silêncio.
- Tens
de lhe revelar o plano. Só assim ela pode vir para o nosso lado.
-
Acha? – Sónia não estava convencida. Quem é que, nos dias de hoje, se iria
armar em casamenteira?
-
Acho! – respondeu decidida.
Sónia
encolheu os ombros, como quem diz, você-é-que-sabe e despediu-se. Tinha mesmo
de ir.
-
Venho buscá-lo às 7. Pode ser?
-
Pode. Vem quando quiseres.
Sandra,
esgotada com a conversa que tivera ao telefone, e cansada de ouvir o “grilo” na
sua cabeça, resolveu sair mais uma vez para desanuviar. Desta vez iria ao Katequero
ver do tal patrão.
Não
disse nada a Carmo, não tivesse ela outra ideia brilhante de a mandar a outro
sítio, e saiu.
Fora
do edifício, à porta, parou e inspirou o ar. Estava um belo fim de tarde. Carmo
tinha razão quando dizia que o ar naquela hora era diferente. Enchia os pulmões
de uma energia mágica que nos fazia ir mais além.
- Pois
é isso mesmo. – disse para si. – Vou mais além. Vou até ao fundo da rua
conhecer, quem sabe, o meu príncipe.
Decidida
começou a andar. Ia distraída, perdida em pensamentos, e como tal, não reparou na
Sónia que subia a rua, também ela perdida em pensamentos, mas estes de teor
diferente.
Resultado,
como já se prevê, esbarraram uma na outra.
-
Desculpe. – apressou-se Sónia a dizer.
- Não
tem mal. – retorquiu Sandra. – A culpa também foi minha.
- Tem
graça. – continuou Sónia. – Vinha mesmo a pensar em si.
- Ai
sim? E em quê?
-
Vinha a pensar que tenho de lhe dizer que já sei do motivo da zanga deles, e…
-
Sabe? Então foi por causa do quê?
- Foi,
olhe, não me leve a mal. Tenho mesmo de voltar ao trabalho. Já saí há um bom
bocado e o António deve estar aflito. Podemos falar noutro dia?
-
Claro. – olhou em volta. – Olha que tal amanhã? Podemos almoçar aqui? - indicou
com a mão o famoso Katequero.
-
Aqui? Na concorrência? – Sónia riu-se.
- Digamos
que vais fazer uma análise do mercado concorrente. O que dizes?
- Digo
que…Não percebo bem, mas deve ter razão. Ouvi dizer que o patrão é muito simpático.
– piscou-lhe o olho. – Às duas?
- Às
duas.
Chegaram
as 7, as 7.30, e as 8 horas, que foram as horas que Sónia conseguiu sair do
café para ir buscar o Pedrito. Por um lado, custava-lhe deixar o António
sozinho o resto da noite, mas por outro, tinha o filho, e o filho vinha primeiro
que tudo. E tudo seria mais fácil se ele não fosse casmurro e aceitasse a ajuda
da Carmo. Era o chamado “dois em um”.
Chegou
a casa da dona Maria às 8.15 e tocou à porta. Quem veio abrir, foi o seu filhote,
já de banho tomado e pijama vestido.
- Olá!
– pegou-o ao colo e beijou-o. – O que é isto? – poisou-o no chão. Que pijama é
esse?
- É
novo. Foi a vó Maria que mo deu. É giro, não é? Tem naves do espaço. – apontava
para os bonecos que estampavam o tecido.
- É,
é. – entrou e fechou a porta.
Da
cozinha vinha um cheiro a assado.
- Hum
cheira bem. – comentou. – Onde está a dona Maria?
- A vó
Maria está na cozinha a fazer o jantar. E eu ajudei a pôr a mesa. – contou orgulhoso.
- A
fazer o jantar?
Atrás
do Pedrito que corria, foi até à cozinha. No meio do barulho dos tachos e da
televisão a senhora não os tinha ouvido chegar.
- Dona
Maria! – Sónia cumprimentou-a meio zangada, meio agradecida. – O que é isto? –
apontou para o filho.
-
Isso? É o seu filhote, prontinho para jantar.
- Jantar?
E isto? – apontava para o pijama.
- Oh!
Isso? – disfarçou enquanto tirava do forno um tabuleiro com carnes assadas e
batatas. – É um pijama. – disse com desplante.
- Que
é um pijama já eu vi. – Mas o que está o Pedrito a fazer com ele?
- Está
vestido! O que querias? Que ele vestisse a mesma roupa depois do banho? Ou que
ficasse nu?
Ao
ouvir a palavra nu, Pedrito que escutava atento a conversa entre as duas,
desatou-se a rir e a pular, gritando:
- nu,
nu, nu!
-
Pedro! – ralharam as duas em simultâneo.
- Dona
Maria, já tivemos esta conversa. – começou Sónia.
- Sim,
sim. Vamos, mas é encher a boca do Pedro com comida pra ver se ele se cala com os
gritos. – deixando Sónia com o sermão entalado na boca, sentou o pequenito,
sentou-se ela, e começou a servi-lo.
Resmoneado
impropérios baixinho, por atenção a dona Maria e ao Pedro, Sónia resolveu
sentar-se também.
- Isto
assim não pode ser. – ainda disse. Mas ninguém lhe prestou atenção nenhuma, de
tão entretidos que estavam numa conversa privada.
Depois
do jantar, e já com a cozinha arrumada, Sónia resolveu contar s progressos que
fizera.
- E
estiveste este tempo todo sem me dizeres nada? Muito bem! – elogiou-a a velha
senhora. – Estás a aprender.
Sónia
não percebeu e ia começar a questionar, quando o seu filhote se abeirou dela.
-
mamã, quero colo.
- Vai
lá, vai lá. – disse-lhe a dona Maria. - Amanhã contas-me tudo. Beijinhos Pedro.
-
Beijinhos vó Maria – disse Pedro já ao colo da mãe.
- Vó
Maria?! Mas… - começou Sónia a dizer.
- Vão,
vão. – a velha senhora empurrou-os para a porta. – Já é muito tarde e temos
todos de ir dormir. Amanhã falamos todos melhor.
Comentários
Enviar um comentário