Carmo 16
Pegou no tablet com um ar decidido, brusco até, e sentou-se no sofá
reservado aos clientes. Pegou numa almofada que colocou ao colo, cruzou as
pernas e leu a mensagem que a amiga tinha escrito.
“Olá, António.
Ainda bem que me
compreendes, e acho essa uma ótima ideia.
Às vezes a vida surpreende-nos. Diz-me coisas sobre ti. O que gostas de
fazer, o que fazes na vida, o que sentes sobre a amizade.
Beijos, Maria”.
Olhou para ela,
Sandra estava de pé de braços cruzados, olhando-a desafiadora. “Anda,
vamos. Atreve-te!” parecia dizer.
Devolvendo-lhe o olhar, começou a escrever:
Olá, António.
Ainda bem que me compreendes, e acho essa uma ótima ideia, mas às
vezes a vida surpreende-nos. E eu estou disposta a ser surpreendida. Queres tomar um café? Conheço um ótimo cafezinho
perto de mim.
A propósito, onde vives?
Teria graça se vivesses no norte ou no sul… Eu vivo em Lisboa.
Até breve, Maria.
Nada
de beijos. Não lhe apetecia. Carregou no botão “enviar” e fechou o tablet.
-
Já foi. – afirmou levantando-se. – E agora, trabalho.
-
Já foi? - Sandra acercou-se dela. – O que respondeste?
-
Nada que te interesse. – aproximou o tablet do peito, escondendo-o.
-
Hum, aposto que o mandaste passear. – Desafiava-a a mostrar o que escrevera.
Ela,
porém, não respondeu. Limitou-se a encolher os ombros. Não iria ripostar. Ela
que sofresse um bocadinho.
-
Vá lá! – Sandra parecia uma miúda pequena.
Carmo
apenas abanava a cabeça.
-
Vamos. Temos de tratar da chata. E, por teres sido tão chata,
tratas tu dela. Chata por chata, hão de se entender. – brincou.
Sandra
fez uma cara de horror e de ofendida, mas estava divertida. Era bom ver a amiga
novamente a sorrir.
António estava mal disposto. Embirrava com a Sónia e não tinha
paciência para aqueles clientes mais chatos.
As palavras dela bailavam-lhe na cabeça. Rodopiando. Fazendo-o
distrair-se e errar as coisas.
Seria boa ideia fazer aquilo que estava a fazer? O que é que lhe
dera na cabeça para aceitar o desafio do Jorge? Ele sabia que o pior que podia
acontecer era encontra-se com um estafermo qualquer, mas mesmo assim, sentia-se
incomodado.
E se a mulher fosse bonita e interessante? Quereria sair mais com
ela, mas e se a Sónia tivesse razão? Se fosse uma caça homens ou alguma louca? Já
tinha ouvido com cada história…
Lembrou-se da sua Lena. Que saudades tinha dela. Porque é que a
vida era assim? Desde que ela partira, nunca mais foi capaz de gostar de outra
mulher.
O telefone apitou. O sinal de mensagem nova estava a piscar. Tanto
ele como a Sónia olharam para o aparelho que estava entre os dois.
António pegou no telemóvel e afastou-se.
Sónia ficou a congeminar numa forma de ter acesso à mensagem…Sim eu
sei que ela tinha dito que não se meteria na vida do amigo e patrão, mas…era
mais forte do que ela, e além do mais a dona Maria tinha acabado de entrar no
café e assistido à cena.
Encostado à bancada do lava-loiças, na cozinha do café, António
decidiu-se:
Olá, Maria.
Confesso que fiquei surpreso com a tua mensagem, Não estava à
espera. Mesmo nada à espera, mas, se calhar tens razão. Devemos deixar-nos
surpreender pela vida de vez em quando.
Acho ótima a ideia de um café. E sim, também moro em Lisboa.
Diz-me o local e a data que eu lá aparecerei.
Tens ideia de como fazer para nos identificarmos? Podemos usar uma
rosa vermelha ao peito como nos filmes 😊😊😊
Aguardo noticias.
Um beijo, António.
Pronto. Estava feito.
Afinal o que de pior lhe podia acontecer? Jorge tinha razão. Estava mais que na
altura de deixar de lamber as feridas e começar a viver. Afinal era um homem ou
era um rato? Já chegava!!!
Sentiu-se animado. A má
disposição tinha ido “com o vento”.
Regressou à parte da
frente do café com outro ar e começou até a brincar com os clientes mais
antigos.
Sónia e Maria, atentas, entreolharam-se.
Perceberam que algo tinha acontecido. A mudança de humor não lhes passara despercebida.
Comunicaram com o olhar. Tinham de conseguir ver a mensagem.
Carmo, entretanto,
esqueceu-se do tablet e das mensagens. Embrenhou-se num novo projeto que “a
chata” lhe tinha apresentado e que no final das contas, era até muito
interessante e desafiante, pelo que não viu a resposta do António.
No café, a dona Maria e
a Sónia congeminavam, cada uma no seu lugar, uma forma de conseguir ler a dita
cuja.
E como o que as mulheres
querem, nem Deus consegue contrariar, lá conseguiram por portas e travessas,
entre uma ida à papelaria e uma passagem pela esplanada, ler a dita.
- Estamos feitas. – disse
a Sónia repondo o telemóvel no local de onde o tinha tirado. – Como é que vamos
impedir isto? Não sabemos quem é a mulher. – sussurrou enquanto limpava a mesa
onde a velha senhora se tinha sentado.
- Pois, não sei. - a
dona Maria respondeu, também baixinho, enquanto a sua cabeça trabalhava a mil,
como se diz na gíria para conseguir um plano alternativo…
Sónia afastou-se. Não queria
dar nas vistas. Desde que tivera aquele arrufo com o António que sentia que ele
lhe espiava os movimentos.
Tentava fazer o mesmo que a dona Maria, mas os
clientes chamavam-na e a sua atenção tinha de se dividir.
- Então, dona Maria.
Está tão calada hoje? – António entregava-lhe o chá e o bolo favorito dela.
- Obrigada, António. Eu
já ia pedir. – respondeu-lhe ainda meio lá meio cá.
- Ora, está aí tão
pensativa que eu pensei: “Já que a montanha não vai a Maomé, Maomé vai ter de
ir à montanha!” – brincou bem-disposto.
O ter tomado uma decisão
tornara-o mais leve. Como se um peso lhe tivesse saído de cima e pudesse
finalmente deixar as feridas cicatrizarem.
Dona Maria olhou-o como
quem acabava de ter uma epifania. Sorriu para Sónia, e com o olhar disse-lhe:
- Já sei!
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