Carmo 13

 

- Conseguiu ler? – Perguntou baixinho a D. Maria a Sónia, quando ela foi limpar a mesa onde estava sentada.

A moça, fingindo-se surpresa, fez um ar falsamente indignado e respondeu no mesmo tom:

- Dona Maria! Por quem me toma?!

Encolhendo os ombros num sinal de impaciência a velha senhora retorquiu:

- Deixe-se de fitas. Eu sei que leu. Eu bem a vi pegar no aparelho.

Corando, por ter sido descoberta, a outra respondeu-lhe, ainda tentando salvar as aparências.

- Eu só peguei porque se ia molhar onde ele o deixou. A D. Maria sabe bem como ele é… Um despistado.

Limpava a mesa que já estava limpa disfarçando o melhor que sabia a situação.

A dona Maria sorriu. Era verdade que nos últimos tempos aprendera a conhecer melhor aquele homem, grande como um leão, desengonçado como uma girafa, mas com um coração de um cachorro. Meigo e fiel. Cada vez mais estava convencida de que ele era opar ideal para a sua amiga Carminho. Só tinha de os conseguir juntar. Depois, Deus encarregar-se-ia de tudo. Tinha a certeza.

Mas o pior, era que a Carminho andava fugida, escorregadia. Nem a desculpa do Rato servia para conseguir conversar com ela.

Por isso tinha de tentar por outra via, e aquela moça, a Sónia, um bocado desbocada, mas boa moça, parecia-lhe ser a cúmplice perfeita, ou a possível, até porque sabia mexer naqueles aparelhos que ela recusava utilizar para mais do que o básico.

Tinha de a trazer para o seu lado. Só não sabia bem qual a abordagem a ter. A que tinha já tentado não parecia estar a surtir muito efeito…

Mudou então de tática.

- Menina Sónia. Vou confiar em si, posso?

Desconfiada, ela respondeu-lhe afirmativamente com a cabeça.

- Não se quer sentar? Falávamos melhor…

- Não posso, senhora. O António dava cabo de mim…- Disse sem na verdade acreditar no que dizia.

Nem a dona Maria, e fê-lo ver com o olhar.

- Pronto. Está bem. Só um bocadinho. Enquanto ele foi às compras. E só porque está pouco movimento. – Acrescentou, para se defender e marcar posição.

- Claro, claro. – Aquiesceu divertida a velha senhora.

Depois, resolveu começar a conversa, perguntando-lhe pelo filho dela. Que idade tinha ao certo, onde ficava depois da creche, se ia ou não para o pai, e terminando oferecendo-se para tomar conta dele, sempre que ela precisasse.

A tudo Sónia ia respondendo e abrindo o coração. Não era fácil ser mãe solteira e menos ainda mãe, adolescente, solteira. Os pais ainda trabalhavam e pouco podiam ajudar, se não fosse o António a deixá-lo ficar atrás do balcão quando ele vinha da creche, não sabia como se desenvencilhar… Tudo estava tão caro…

A dona Maria fez um ar condoído e sincero. E, aproveitando, pegou no mote de António ser uma boa pessoa para lhe fazer ver que um homem assim merecia ser feliz, encontrar uma boa mulher, e ela sabia de alguém ideal para ele.

- A sério? – Perguntou a moça interessada. Mas logo depois “fechou” o semblante. – Oiça isso tem de ser ele a decidir. Nós não nos podemos meter nisso.

- Pois. Tem razão. Devia ser ele a decidir. Mas já o viu com alguma namorada?

Sónia olhou para o ar, em busca de recordações na sua memória e respondeu que não com a cabeça. De facto, não se lembrava de alguma vez ter visto o Tó com alguma miúda.

Com um ar triunfante, a D. Maria abriu os olhos e os braços como quem diz:

- Vês? Temos de o ajudar.

- Não sei. - Respondeu ainda não convencida. - Essas coisas não dão bom resultado. O melhor é ele continuar a busca no site, sempre é ao gosto dele.

Ao aperceber-se da indiscrição cometida, Sónia, tapou a boca com as mãos e corou. De imediato se levantou alegando ter trabalho para fazer. Mas a dona Maria não a ia deixar partir tão facilmente.

Levantando-se com uma agilidade surpreendente para a sua idade, foi atrás dela para o balcão.

- O que é isso do site? Foi isso que viu no telemóvel?

Sónia arrumava o que já estava arrumado tentando não responder.

- Acha que uma mulher que se preze anda por esses meios à procura de homem? É isso que quer para o homem que tanto a ajuda? – Fazia-lhe pressão psicológica e Sónia estava quase a ceder.

Foi então que António chegou. Trazia às cavalitas Pedrito, o filho de Sónia, e nas mãos dois sacos de compras.

- Olá! – Cumprimentou bem-disposto. – Encontrei este miúdo ali perdido na esquina e resolve trazê-lo para aqui. Sempre dá um bom assado. - Brincou.

- Nããão! – Gritou Pedrito atirando-se para os braços da mãe.

- Nããão – Secundou-o a mãe. - Assado não, talvez grelhado. - Brincou.

- Anda Pedrito. Levo-te para minha casa e salvo-te destes dois. Queres? – Interveio a Dona Maria entrando na brincadeira. – Tenho lá um gato muito malandro com quem podes brincar.

- Posso mãe? - Perguntou Pedrito animado.

Suspirando de resignação, mas no fundo agradecida, Sónia assentiu.

- Mas tens de prometer que te portas bem. E que obedeces à D. Maria.!

- Juro! – Respondeu cruzando os deditos.

- Obrigada, dona Maria. Vou buscá-lo daqui a uma hora.

O tempo passou a voar. A dona Maria adorou o Pedrito, a sua vivacidade e alegria e adorou ver como ele se deu tão bem com o Rato, que habituado a dormir 22h / dia, não descansou um segundo desde que o miúdo o encarara.

Adorou fazer-lhe o lanche, e depois ver com ele uns desenhos animados. Estavam os dois absortos na estória quando a mãe o veio buscar.

- Já? – Resmungou Pedrito. – Deixa só acabar o espisódeo.

- Episódio. – Corrigiu-o a mãe. – E temos de ir. A dona Maria deve estar de rastos.

- Por mim pode ficar. Até lhe faço um chá ou um café.

- Não obrigada. – Recusou amavelmente. – Não quero incomodar mais.

- Vá lá mamã! – Pedro suplicava-lhe com aquele ar que todas as crianças sabem que é impossível aos adultos resistir.

- Venha. Venha até à cozinha. Deixemo-los aos dois com a TV. Vamos beber um chá e conversar. Fiz um bolo de cenoura que o Pedrito adorou.

- É verdade mamã. Tens de aprender. – Gritou Pedrito já sentado no sofá com o comando na mão e o Rato ao colo.

Sónia corou.

Eu lá tenho tempo para fazer bolos. Pensou.

Sentaram-se à mesa que ainda esta posta. Com carinho Sónia reparou numa caneca com um resto de leite no fundo e um prato com migalhas e calculou ser a loiça do seu filho. De imediato pegou neles e foi para o lava-loiças pronta a lavá-los.

- O que está a fazer?





 

 

 

 

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