Carmo 7

 

 

Foi numa quarta-feira, ao fim do dia que Carmo decidiu apresentar a sua proposta ao António.

Chegou ao café esperando que ele estivesse cheio de gente e que o António não a pudesse atender de imediato para, deste modo, ganhar um bocadinho mais de coragem. Não é que fosse nada de especial, o que lhe iria propor, mas ainda assim temia que ele se aborrecesse.

Abriu a porta e espreitou.  Estava vazio.

- Bolas! – Praguejou em voz baixa.

Respirou fundo, colocou o seu sorriso mais angelical e entrou dirigindo-se ao balcão:

- Boa tarde, António, como estás hoje? - Tinham-se começado a tratar por tu sem saberem bem como ou quando. Um dia acontecera e pronto.

- Olá, menina Carmo. Como vai? – Brincou ele.

Ao mesmo tempo que a cumprimentava, colocou-lhe um copo com sumo de laranja e um croissant à frente sem que ela o tivesse pedido. Não era preciso…

- Eu estou bem e tu? – Retorquiu ela bebendo um gole do sumo.

- Eu? Eu estava muito cansado, mas agora que sei que me vais ajudar…- Brincou ele novamente, deixando a ideia no ar.

Ao ouvir isto, Carmo engasgou-se.

- O quê? Como?

- Como? Isso tu é que me vais dizer. – Ele insistia na brincadeira.

- Não, como. Como é que sabes que te vou ajudar?!

Agora ela estava curiosa. Ela não tinha dito nada a ninguém, só à dona Maria…

- Como, como…Isso não importa. Estou só a brincar contigo…

- Ah, não. Vais ter de ne contar isso tintim por tintim.

- Isso o quê? – perguntou ele com um ar inocente. E sem esperar por uma resposta, foi atender um casal de homens que, entretanto, chegara.

Carmo esperou olhando atentamente para os gestos dele. Tentava aprender para não fazer figuras muito tristes quando ele a aceitasse como ajudante.

- Então? – Ele voltou ao fim de alguns minutos. – Já descobriste?

- O quê?

- Como me vais ajudar… - Provocou-a ele.

- Diz-me, a dona Maria tem vindo aqui?

- A dona Maria? – Ele abriu os olhos num exagerado ar de espanto.

- Sim, a dona Maria. – Respondeu-lhe ela com aquele tom de não-te-faças-de-tolo.

- Hum, não. - Mentiu ele descaradamente.

- Não? – Ela insistiu.

- Não mais do que o costume, porquê?

- E ela disse-te alguma coisa? – A “pulga” atrás da orelha dela picava-a sem parar.

- Sim,” Bom dia”, “Quero o costume”, “O café está muito forte”, “O pão está muito queimado”, o costume.

- Deixa-te de palermices. – Ela fez-lhe uma careta. Eu sei que ela andou a falar contigo.

- Sabes? Então porque perguntas?

Ela não lhe respondeu de imediato. Não lhe conhecia esta faceta de arreliador e isso irritava-a.

- Bom. – Resolveu seguir para a frente com o seu plano. – Eu sei, a dona Maria sabe e tu sabes. Aceitas?

Ele poisou o pano no balcão e fez cara séria.

- Eu sei o quê? Eu estava a brincar contigo. Não sei de nada.

Ela perscrutou-lhe o rosto. Estaria a falar sério? Resolveu acreditar que sim, e então, de uma rajada só, contou-lhe que pensava ajudá-lo e de que forma.

Ele ouviu tudo calado, mas à medida que ela ia falando, o rosto dele adquiria feições de espanto, riso, agradecimento, e embaraço, consoante o que ela dizia e os argumentos que ela apresentava.

No fim, disse-lhe simplesmente:

- Não.

- Não? – Ela indignou-se. – Como assim não?

Levantou-se do banco e deu a volta ao balcão para ficar mais próximo dele.

- Não. – Ele insistiu. – Agradeço, mas não. Não preciso de caridade.

- Caridade?! – Ela não queria acreditar na reação dele. Não depois de lhe ter contado tudo. Bem, quase tudo…

 




 

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