Carmo 4

 

Carmo não queria acreditar no que tinha acabado de ouvir. Estava tão espantada que não sabia se ria se chorava. Se se zangava ou se se sentia aliviada. Passaram, por isso, alguns minutos até que o seu cérebro tomasse uma decisão.

- Então? Não diz nada? – Dona Maria questionava-a não percebendo a falta de reação por parte dela. Ela que era uma mulher muito prática, se estivesse no lugar da amiga já se tinha levantado e ido tirar satisfações.

- O que quer que diga? – Perguntou Carmo de um modo honesto. – Não sei o que dizer.

Levantou-se e foi até à cozinha onde preparou duas chávenas de café. Uma para si e outra para a Dona Maria.

O café desde muito nova que exercia nela um efeito calmamente. Mesmo que não o bebesse, só o facto de segurar a caneca quente entre as mãos e sentir o seu aroma envolvente fazia-a sentir-se em casa. Tranquila. Com a cabeça pronta a funcionar.

- Ora, francamente! - Dona Maria tinha-a seguido até à cozinha. – A menina parece que tem sangue de barata. Então eu conto-lhe que o seu namorado a trai e a menina vai fazer um café?! – Elevou o tom de voz sem se dar conta, tamanha era a sua indignação.

Carmo não lhe respondeu. Limitou-se a estender-lhe uma caneca que ela aceitou com um gesto reflexo.

-Dona Maria. – Disse por fim depois de beber um ou dois goles numa calma pensada. – Não me leve a mal. Agradeço muito o que disse, mas agora preciso de pensar.

- Pensar? Pensar o quê? No quê? Não me diga que ainda considera a hipótese de o aceitar, de, de…o perdoar!? – Mais uma vez a indignação e a revolta que sentia, saiam pelas palavras. Ela gostava daquela miúda como se gosta de um filho, e quem a magoasse, magoava-a a ela também.

- Dona Maria… - Carmo meiga, mas incisivamente deu-lhe a entender que ela estava a entrar por um caminho para o qual não tinha sido convidada.

A velha senhora, percebeu a sugestão e poisando a caneca na mesa respondeu lhe:

- Já sei. Já sei. Precisa de estar sozinha para pensar. – Abanou a cabeça em sinal de desaprovação. – Os que vos falta – disse referindo se aos jovens- É a falta de… - Ia dizer “tomates”, mas refletiu a tempo e percebeu que aquela expressão não conduzia com a imagem de Senhora que tanto defendia, pelo que, e corrigindo-se após uma curta pausa, concluiu:

- De têmpera!!! Falta-vos têmpera! Bem, vou para casa. Se precisar de algum conselho de alguém que já viveu muito, diga.

E saiu despendendo-se com as fórmulas habituais e que a caraterizavam.

De volta à sala, e com o Rato por companhia – Sim, a Dona Maria tinha-se “esquecido" do gato lá em casa. - Carmo deteve se um bocado a vê-lo dormir.

- Como der ser bom ser um gato. - Disse lhe. - Comer e dormir e fazer o que te dá na real gana. Sem preocupações e sem deveres…

- Diz-me. O que farias no meu ligar? Aliás eu não sei porque estou assim. Eu já queria acabar com ele, e este é o motivo perfeito para o fazer, sem culpas nem remorsos. Mas, caramba. Ser traída?! E na minha própria casa?! Por isto eu não esperava. Especialmente depois de o ter ajudado como o ajudei. Ele sem mim não era ninguém. – O ultraje da traição acentuava- se no seu peito e dava voz à sua voz.

- Sabes que mais? A tua dona tem razão. Vou resolver isto e já!

Animada pela raiva, foi até ao quarto e reuniu num saco todos os pertences dele. Depois deu uma volta pela casa e reuniu mais um ou outro que por lá estava esquecido.

Terminada essa parte, tirou os lençóis da cama e amarfanhando-os, colocou-os num outro saco. Não se iria deitar mais naqueles lençóis!

Finalmente, lavou a wc com lixivia, desinfetou o quarto, a sala e a cozinha e quando a energia se esgotou e a raiva se acalmou, pegou no telemóvel e ligou-lhe.

Serenamente, disse-lhe que sabia da traição. Fez ouvidos moucos às desculpas por ele apresentadas, refreou-se nos insultos que lhe queria dizer e terminou com um recado:

- Tens as tuas coisas em dois sacos que estão do lado de fora da porta. Tens 24h para as vires buscar. Se não vieres ao fim desse tempo, irei colocá-las no contentor que está atrás do prédio. Não me responsabilizo por elas. Quanto às chaves, podes ficar com elas para que te lembres de que trair é feio e é coisa que não se faz. Vou mudar a fechadura da porta. Não te desejo felicidades, mas desejo que aprendas a ser feliz e que não tenhas necessidade de magoar outros no teu caminho. Adeus.

Desligou o telefone e sentiu-se bem. Tinha agido com clareza, firmeza e classe. A dona Maria teria orgulho de si, se tivesse a assistir.

Agora sim. Agora ia viver para si.

Os dias passaram-se com eles as semanas, e os meses, e a vida de Carmo, entrou numa rotina morna que apesar de ser confortável, era entediante.

Ela sentia a falta de algo. O trabalho por mais estimulante que fosse não a preenchia totalmente.

Os amigos eram alguns e eram bons, mas também não lhe preenchiam o vazio que sentia no peito e que não sabia explicar porquê.

- Isso é falta de um “gaijo”. - Dizia-lhe Rita a sua melhor amiga.

- Achas? Olha que tu tens um e nem por isso te vejo mais feliz. - Respondia-lhe divertida.

- Isso é porque sou uma eterna descontente. – Retorquia a amiga entre duas dentadas no croissant que devorava perante o olhar da amiga que não conseguia nunca deixar de se espantar com a quantidade de comida que Rita comia e com o facto de ela nunca engordar nem uma grama!

- Pois, pois. Olha, o teu “gaijo” – Disse-lhe para a espicaçar. – Está a chamar-te. – Referia-se ao telemóvel que tinha um toque específico para a chamadas dele e que ela já conhecia.

- Pois está: - Rita pegou no telemóvel e atendeu.

Durante a breve chamada da amiga, Carmo reparou em como ela se transformava, em como ficava meiga e os seus olhos brilhavam e as faces ruborizavam ligeiramente. Talvez ela tivesse razão. Se calhar um namorado era algo que lhe fazia falta. Mas onde encontrar um que fosse como “deve de ser”?!

- Meu amor. – Rita desligou o telefone e colocou uma nota na mesa. – Tenho de ir. Lanche fica por minha conta, mas tens de ser tu a ir pagar, que eu já estou mesmo atrasada. Esqueci-me que tinha uma coisa combinada com o Rui.

Levantou-se e dando um beijo na cabeça da Carmo, despediu-se:

- Vemo-nos no sábado?

E saiu sem esperar pela resposta.

Carmo deixou-se estar mais um pouco e depois levantou-se para ir pagar. António, o dono do café estava atrapalhado. As pessoas faziam fila para pagar e outras esperavam ser atendidas ao balcão. Ele estava sozinho.

Carmo colocou-se na fila, e quando chegou a sua vez, perguntou-lhe:

- Então António, o que se passa hoje? Está a oferecer presuntos, ou quê?

- Antes fosse, antes fosse. - Riu-se ele. A Sara despediu-se e deixou-me na mão.

- A sério? Porquê?

- Olhe, por um motivo tão estupido, que até tenho vergonha de contar.

- Então? – Carmo estava curiosa. Olhou para trás, não estava ninguém à espera, pelo que incitou-o a conversar.

- Então? Então, o namorado dela fez aqui uma cena de ciúmes, de mim, veja lá. Tive de o pôr na rua e ela resolveu ir com ele.

- De si? – Carmo soltou uma gargalhada.

António olhou-a por um relance com um ar de mágoa, mas rapidamente se recompôs e concordou com ela.

- De mim, veja lá! Com se isso fizesse algum sentido. Um tipo desengonçado como eu. Deve ser das drogas que ele consome. Tolham-lhe a visão.

E dito isto foi ao balcão atender um cliente.

Carmo percebeu-se da sua inconveniência e não soube como a reparar. Resolveu ir-se embora para não tornar a coisa pior.

- Até amanhã António.

-Até amanhã Carmo.

 




 

 

 

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