Amália 10
- Bom
dia! – Alice cumprimentou as colegas bem disposta.
- Bom
dia, bons olhos te vejam. – Gracejou Lurdes, uma colega.
Alice
deitou-lhe a língua de fora e perguntou-lhe:
- A
Amália? Como está hoje?
- Mas
tu agora só queres saber da Amália? – Arreliou-a Graça, uma outra colega.
- Será
por causa do neto dela? – Juntou-se Rita à brincadeira. – Devo lembrar-te que
és uma mulher casada, por isso deixa-o para nós que somos solteira e boas
raparigas.
-
Vocês são é parvas! – Respondeu bem humorada. Hoje, tinha a certeza, iria
resolver o assunto. – Onde é que ela está? – Perguntou enquanto roubava um bolo
do prato que estava em cima da mesa e se servia de um café.
- Deve
estar com o namorado.
Namorado?
– Alice engasgou-se. – Tinha estado assim tanto tempo fora?
- O
quê? O que é que estão para aí a inventar?
- Não
estamos a inventar, é a sério. É aquele homem que chegou à pouco tempo. Andam
sempre os dois pelos cantos a cochichar. – Interveio Rute.
Alice
fez um ar de espanto.
Entretanto
soou o alarme do quarto nº 10. Era o quarto da dona Alzira.
A dona
Alzira nunca tocava a sineta. O que se passaria? Rute deixou a sala para ir ver
o que se passava, e este sinal lembrou as outras que o dever chamava por elas.
Assim, saíram, umas aos pares, outras sozinhas, deixando Alice a matutar no que
acabara de ouvir. Seria verdade? Não. Ela estava demasiado presa no Alfredo
para o trocar por outro. Mas… Nunca se sabia ao certo como é que as cabeças
assim funcionavam, não é verdade? O melhor seria ver por si.
Saiu então
da copa e foi à procura de Amália. Encontrou-a alguns minutos mais tarde, ao
lado de um homem que aparentava ter a sua idade, embora se mostrasse muito
desenvolto ao correr para apanhar o chapéu dela que o vento atrevido lhe tirara
do cimo da cabeça.
Tinha
ainda um bom cabelo, todo branco, mas forte, era alto e bem constituído
parecendo ainda maior ao lado dela que pequenina sorria para ele embeiçada.
- Não
querem lá ver? – Disse para si. – Não é tarde, nem é cedo. Vou ao quarto dela e
vou ler o diário. Tenho de saber o que se passa.
Decidida,
virou o rumo aos seus passos e foi na direção do quarto dela. Felizmente as
portas, por uma questão de segurança, estavam sempre abertas, pelo que não teve
dificuldade em se esgueirar para o interior sem ser vista. Com a adrenalina ao
máximo por um lado devido ao medo de ser apanhada, por outro devido aos
remorsos, o seu coração batia tão alto e tão forte, que chegou a temer ser
ouvida do lado de fora da porta. Encostada à mesma, do lado de dentro, parou um
pouco e tentou acalmar-se para pensar. Onde guardaria ela o caderno? Não estava
à vista…
Foi
até ao guarda fatos e abriu as portas. Penduradas nos cabides estavam 3
vestidos, 4 saias e 3 casacos, o que a levou a refletir no facto de não se
precisar de muita roupa para se viver e andar bem.
-
Tenho mesmo de me desfazer de algumas peças. – Disse para si.
Afastou
os cobertores que estavam por baixo, abriu as gavetas, desviou as almofadas que
estavam na prateleira de cima, e, nada! Ali não estava nada.
Sentindo-se
uma intrusa, foi até à mesinha de cabeceira e abriu as gavetas desculpando-se
com o ditado, que adaptou à situação, dizendo-se que “ os fins justificam os
meios”. Mas também aí não teve sorte.
Estava
quase a desistir e a ir-se embora quando uma sombra irregular do tampo da mesa,
onde o sol incidia, lhe chamou a atenção.
- Não
posso crer. – Deixou escapar em voz alta. – Tu és mesmo muito esperta.
Foi
até à secretária, ajoelhou-se e por baixo, numa espécie de prateleira,
construída com um pedaço de cartão, estava escondido o caderno. A tremer de
excitação, retirou-o com todo o cuidado e ficou parada com ele entre as mãos.
Sem se atrever a lê-lo, sem o colocar no sítio, a pensar se deveria lê-lo ali ou
fora dali.
Graça,
que, entretanto, procurava por Guilherme, ajudou-a a decidir, ao entrar no
quarto, pregando-lhe um susto de morte.
- O
que tens, mulher? Estás branca. – Perguntou-lhe com a cabeça a espreitar dentro
do quarto.
-
Nada, nada. – Disfarçou. – Vim à procura da Amália, mas não está aqui. – Disse muito
rapidamente.
- Pois
eu vim à procura do Guilherme. O melhor é ir procurá-los no jardim, de certeza
que estão lá. Vamos?
Aliviada
por não ter de “pecar” no imediato, Alice acompanhou a Graça na demanda pelos
dois. Foram, como não podia deixar de ser, encontrá-los abraçados sentados no
banco a olharem um para o outro e a cochicharem.
-
Guilherme. – Chamou Graça. – Tem de vir comigo. Está na hora da sua
fisioterapia.
-
Tenho mesmo? – Perguntou ele com um ar de miúdo.
- Tem.
Sabe que sim. A Amália vai ficar bem aqui com a Alice.
-
Alice? – Amália olhou para ela e riu-se.
– Ana quer dizer. E depois eu é que estou maluca. Olá Ana. Há já muito tempo
que não te via.
- Olá
Amélia. – Cumprimentou-a Alice. – É verdade. Como tens passado?
Sentou-se
no lugar que Guilherme minutos antes ocupara.
-
Parece que tens novidades para me contar. – Comentou olhando para Guilherme que
se afastava com Graça.
Amália
corou, e olhando para o regaço, torceu as mãos nervosas.
-
Sabes. – Disse-lhe num impulso. – Não consigo guardar mais isto, ainda para
mais agora, que Alfredo voltou e está tão carinhoso. Estou a rebentar de culpa
e de indecisão.
Alice
ajeitou-se mais no banco.
- Diz.
Sabes que podes confiar em mim.
- Será
que posso? – Amália olhou-a diretamente nos olhos e Alice sentiu-se pequenina e
nojenta ao pensar que esteve prestes a fazer aquilo. Engolindo em seco só foi
capaz de acenar com a cabeça.
- Bem.
Tenho mesmo de falar. Escrever no diário já não chega, e tenho de falar ou rebento.
-
Então? – Alice afagou-lhe as mãos.
-
Então… e Amália contou-lhe tudo e no fim olhou para ela e ficou à espera de uma
resposta, de uma reação.
Alice
estava horrorizada com o que acabara de ouvir e por uns instantes não foi capaz
de dizer ou fazer nada.
-
Queres dizer – Tentou perceber aquilo que ouvira – Estás a dizer-me que a
mulher dele abortou e culpa-o por isso? E quer matar-te? Porquê?
-
Porquê, porquê. Porque diz aí aos quatro cantos que se ele não lhe deu um
filho, não o vai dar a mais ninguém. Se ele não é para ela, não é para ninguém.
– Levantou-se e começou a andar de um lado para o outro nervosa.
- Acalma-te.
Isso são desabafos. Achas mesmo que ela te quer matar? Isso são coisas que se
dizem.
-
Achas? – Levantou a saia e mostrou-lhe uma cicatriz na cocha direita.
- O
que é isso?
- Isto
foi uma facada que ela me deu.
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