Alice 2

 

- Podes sim. – Dizia-lhe o “seu grilo” interior. – Entrega-o assim, e alguém o há-de arrumar.

- Pois, mas não está ninguém no balcão, e se eu o deixar , alguém o pode ler e fazer algo de errado. O melhor é ser eu. – Debatia-se com “ele”.

- Além do mais, ele, está a “pedi-las”, ao deixá-lo assim, aqui “à mão de semear…”

Resoluta, sentou-se num dos sofás, que estava junto à janela, e abriu o caderno.

A primeira página estava em branco, a segunda idem, a terceira também, mas na quarta estava algo escrito:

Se foste curioso/a e persistente para chegares até aqui, parabéns!  Vou lançar-te um desafio. Se o aceitares, vira a página. Se não volta a colocar o livro no lugar até alguém com coragem o encontrar.

Como é obvio, virou a página.

Resolveste aceitar. Mais uma vez os meus parabéns. Não te irás arrepender, um bom final irás ter. Vou dar-te uma pista. Resolve o crime perfeito e descobre a arma do assassino. Escreve aqui o que achaste e a próxima pista talvez te baste.

Alice leu e releu aquelas frases. Viu o caderno até ao fim. Estava vazio. O que raio era aquilo? Seria um louco? O melhor era colocar o livro no lugar, por outro lado, adorava mistérios… O crime perfeito…O que seria aquilo? Resolve o crime perfeito… E a próxima pista talvez te baste?! Baste para quê? Não havia dúvida, “aquilo” era a cara dela.

- Alice, vamos? – Miguel “arrancou-a” do seu devaneio. – Vejo que já arranjaste algo. – Apontou para o caderno que ela tinha entre as mãos.

- Isto? Não… Isto, é estranho. – Mostrou-lhe o caderno.

Miguel pegou nele e leu-o.

- Ora isso deve ser algum miúdo que não tem mais nada que fazer. O melhor é pô-lo lá no lugar.

O dono da livraria, entretanto, acercou-se.

- Está-se bem aí sentado, a apanhar o solinho, não está? – Sorriu para Alice que continuava sentada.

Ela levantou-se e ignorando o comentário dele estendeu-lhe o caderno.

- Encontrei isto ali no meio daqueles livros. – Apontou para a estante.

O homem pegou naquilo, sem olhar para ele.

- Estava mal arrumado? Eu depois arrumo…

- Não, não é isso. Já olhou para ele? Sabe a quem pertence?

- Com certeza de algum miúdo. – Insistiu Miguel.

O dono da livraria, Pedro, olhou-o, desta vez, com atenção. Tal como eles abriu-o e leu o que nele estava escrito.

- Estranho. Realmente não me lembro deste caderno. Se calhar foi mesmo algum miúdo, como diz o Miguel.

- Pois, se calhar foi. – Respondeu Alice nada convencida. – Posso? – Perguntou tirando-lho das mãos. – Vou colocá-lo no lugar. Pode ser que alguém o venha buscar.

E, dito isto, voltou a colocá-lo no mesmo sítio.

- Sim, e eu vou estar atento. – Disse Pedro. – Mas de certeza que é de algum miúdo, embora, e infelizmente, ainda não tenha visto muitos por aqui.

- Tem calma! – Miguel deu-lhe uma palmada amigável nas costas. - Ainda é cedo. Vais ver que num instante tens a casa cheia.

- Pode ser… - Respondeu-lhe Pedro sem muita convicção.

- Que tipo de pessoas costumam cá vir? – Perguntou Alice, já iniciando sem dar por isso, o processo de investigação.

Pedro olhou para cima, a buscar na sua memória, aquele tipo de informação.

- Hum, professores da universidade, alguns alunos e um ou outro cliente aqui do bairro.

Alice assentiu com a cabeça, mas nada disse.

- Vamos? – Insistiu Miguel.

- Vamos sim.

Despediram-se de Pedro e Alice prometeu voltar e trazer alguns amigos com ela. Iniciativas destas eram sempre boas de divulgar.

À noite, ao jantar, Alice contou ao seu marido, Filipe, o que se tinha passado.

- Hum, isso é coisa de garotos, talvez alguma adolescente que gosta de policiais como tu.

Alice espantou-se. Nunca lhe tinha passado pela cabeça que pudesse ser uma mulher a escrever aquilo.

- Não, não foi uma mulher.

- Hein? – Filipe como sempre já estava com a cabeça noutro sítio.

Alice suspirou.

- Não foi uma mulher que escreveu aquilo. – Afirmou num tom mais sério para que ele lhe prestasse atenção.

- Como é que sabes? – Respondeu-lhe automaticamente olhando para o telemóvel que ao seu lado piscava indicando sinal de mensagem.

Alice irritou-se. Detestava que ele levasse o telefone para a mesa. Aquela era a única hora, nos últimos tempos, em que estavam juntos. O seu trabalho como engenheiro aeroespacial, levava-o muitas vezes para fora, e quando não estava fora, estava sobrecarregado de trabalho que trazia para casa.

- Porque… - Começou a dizer.

- Desculpa amor. Tenho de responder a isto. Volto já.

Levantou-se da mesa, deixando-a ainda mais irritada e a falar para Tim, um beagle muito teimoso e fofo que estava sempre ao seu lado.

- Porque… - Continuou virando-se para o bicho ao mesmo tempo que se levantava e levantava a mesa. O jantar estava terminado. Era certo e sabido que durante “horas” ele não sairia do escritório.

- Porque a letra era uma letra masculina, porque o caderno era uma caderno masculino, porque o discurso era, um discurso masculino?!  - Disso já não tinha tanta certeza.

- Uof, UoF. – Tim ladrou-lhe como se a compreendesse e concordasse com ela.

- É, não é? Tenho razão, não tenho? – Baixou-se e fez-lhe uma festa por baixo do focinho onde ele tanto gostava.

- Uof! – Ladrou novamente abanando a cauda.

- Pois. Tu és como ele. Dizes a tudo que sim só para eu te dar um biscoito, não é?

E de dentro do armário tirou um biscoito que lhe atirou pelo ar e que ele com um salto o abocanhou ainda antes de chegar ao chão.

Deitou-se.

Sozinha na cama, porque o marido ainda continuava no escritório, e pegou um livro para ler. Ao contrário do que era habitual, não se conseguia concentrar na leitura. A frase “descobre o crime perfeito” ecoavam-lhe na cabeça. Que crime perfeito? O que quereria ele dizer com isso? Quem seria ele? Porque teria feito aquilo? Que tipo de pessoa esperava alcançar? Que arma do crime? A próxima pista bastava…Qual pista? Bastava para quê?

Impaciente, fechou o livro e colocou-o sobre a pilha de livros que tinha na mesa de cabeceira. Ao ajeitá-lo para que não caísse os seus olhos descaíram para a lombada de um dos livros, e o seu sorriso iluminou-se:

- É isso! Só pode ser isso! Como é que eu não pensei nisso antes?!

 


 

 

 

 

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