Amigas Improvaveis 7


        ​           - Onde estás? - insistiu ele. - Eu vou buscar-te. 
- Deixa estar. Não é preciso…- Respondeu com pouca firmeza.
- Olha, pára! Não dês mais nenhum passo. Eu já estou no carro, quase a chegar. Nem penses em fazer este caminho de noite sozinha.
- Mas...- Tentou rebater, só que ele já tinha desligado o telefone.
Amuada por não ter levado a dela avante e aliviada ao mesmo tempo, tornou a sentar-se à beira do caminho. Desta vez mais calma. Olhou em redor.  Estava uma noite com uma lua cheia, que lhe permitia ver as árvores e a quinta dos condes lá ao fundo. Atrás de si, uns metros após o declive estava um lago.
O Lago!
Quantas vezes ela e o João fugiram para ali, à revelia dos adultos, e tomaram banho em dias cujo calor não se aguentava. Foi ali que ele lhe ensinou a nadar. Foi ali que ele quase se ia afogando quando por um capricho dela tentou atravessar o lago numa jangada de paus que eles construíram. Nesse dia os pais de ambos ficaram mesmo zangados e ela só se safou de uma tareia com o cinto, porque o João tinha assumido as culpas todas. Pobre João, apanhou por ele e por ela.
Ela tinha sido muito feliz ali, e não tinha sido nada justa com a mãe ao sair daquela forma. Afinal de contas ela sempre a defendera...o seu coração começou a ficar pequenino, cheio de remorsos.
Decidida, pegou no telefone para lhe ligar, mas foi interrompida por uns faróis que lhe acertaram em cheio nos olhos. Assustou-se.
- Raios! - Praguejou ao deixar cair o telemóvel.  Levantou-se à procura dele e encarou com o João. 
- Miúda estás bem?
Respirou fundo. Odiava quando ele a tratava por miúda fazendo -se de muito adulto.
- Olha, ajuda-me, mas é a procurar o telefone. - Resmungou de nariz no chão a afastar as ervas.
- Calma miúda! Aguenta os cavalos - Disse ele enquanto lhe ligava para o telemóvel. De imediato um tufo de ervas começou a luzir e a tocar.  Ela agarrou o aparelho e virou-se para trás.  Ele olhava-a com um ar divertido e uma cara que parecia dizer, vês-como-foi-fácil-não-precisavas-de-fazer-uma-cena?
Mais uma vez ela respirou fundo, passou por ele e sentou-se no carro. O dia hoje não estava definitivamente a correr bem.
Ele continuava com aquele ar divertido e seguindo-a sentou-se ao volante. Ela olhava em frente. Estava embaraçada, não sabia o que falar, nem lhe apetecia fazê-lo.
Ele ligou o motor e arrancou com o carro. Passado um bocado, sem se virar para ela, perguntou-lhe:
- Queres acabar agora de me contar o que se passou?
- Ai, agora queres saber? Há pouco quando te estava a contar desligaste-me o telefone. - A sua voz era a de alguém amuado.
- Pois desliguei. Achas que ia deixar-te aqui sozinha? De noite?
- Isto aqui não é Nova-York, sabias?
- Sei. Mas também sei que não é seguro como há 15 anos. E tu? sabes? - O tom de voz neutro sugeria tréguas. Ela olhou para as mãos e rendeu-se.
- Como eu gostava de voltar 15 anos para trás...
- Então conta lá, o que se passou? – Com meiguice colocou-lhe a mão sobre as dela. Foi tudo o que ela precisava para deixar sair o torpedo de emoções que sentia. E aos “tropeções” contou-lhe tudo, desde a tramoia que Odete lhe fez até à discussão em casa com os pais, e a raiva que sentia naquele momento.
Ele escutou-a calado e permaneceu calado por mais uns metros. Como que a pensar no que haveria ou não de dizer. Por fim decidiu-se:
- Sabes eu passei por algo semelhante quando me fui embora. - Disse sem demonstrar ressentimentos.
Rita de imediato sentiu remorsos. Só pensara em si o tempo todo enquanto ele esteve fora. Em como ele a tinha abandonado, em como a tinha deixado ali, no “buraco”, entregue “às feras”.  Nunca parara um segundo para pensar nele, em como ele se terá sentido quando partiu, no que terá sofrido sozinho numa terra longe e tão diferente, e nunca tinha parado para pensar em como ele se terá sentido ao regressar. 
- Desculpa, desculpa, desculpa. - Implorou ela.
- Desculpa do quê? - Ele estava deveras surpreso.
- Por nunca ter pensado em ti - Despejou ela.
Se não a conhecesse, João teria ficado ofendido, mas conhecia, conhecia bem demais e não lhe parecia que ela tivesse mudado ao longo destes anos. No entanto, para a picar, como nos velhos tempos, fez uma cara de ofendido.
- Oh! Desculpa, não foi isso que quis dizer. - disse muito aflita. De repente lembrou-se das palavras de Maria, e lembrou-se da Maria. 
- Sabes? - Disse de imediato- Tenho uma empregada de limpeza que é minha amiga. Ela é muito inteligente e sábia.  
- Aí sim?
 Sim, e vai-me ajudar a desmascarar aquela Odete. 
- Como? - Ele estava mesmo interessado.
- Pois, ainda não sei bem. Vou ter de a ensinar a trabalhar com computadores. 
- Como? - Repetiu ele surpreso.
- Como o quê? Como é que a vou ensinar? Ou como, como?
- Como é que a vais ensinar e para quê?
- Como, é no meu computador de casa, para quê, é para que ela possa espiar o computador dela quando estiver sozinha no escritório, de madrugada, antes de chegarmos...
- Sabes que isso é crime não sabes? E ela corre o risco de ser despedida... ou presa…
- Então como é que propões que eu resolva isto? Olha lá, já passamos a estação, para onde estás a ir? - Disse virando-se para trás à medida que o carro passava à frente da porta principal da estação.
- Para Lisboa.  Como tu dizes isto não é os states, não há comboios a todas as horas...
- Mas, mas...
- Não há, mas nem meio, mas. Tu não dizes que não ficas nem mais uma noite naquela casa? Então? Vais dormir onde? Debaixo da ponte?
Rita calou-se.
- Vais dormir a minha casa e depois logo se vê. 
 João não tinha mesmo esquecido o que o pai da Rita lhe dissera e o que fizera sentir-se quando o expulsou da herdade naquela altura, e quando juntamente com o seu pai lhe vaticinaram a ida para bem longe, para se “fazer homem”. E hoje, ao ouvir o que ele tinha dito à filha, resolveu que ele merecia uma lição. Iria ajudar Rita no que pudesse, não só porque gostava muito dela, mesmo muito, mas também para ter uma pequena vingança. 
Rita por sua vez olhou-o agradecida.  "Querido João" - Pensou para si.


           Rita passou mal a noite, e enquanto se virara e revirava na cama tomou uma decisão. Iria meter uns dias de baixa. Tinha de pensar na sua vida. Sabia que iria ser criticada mais uma vez, mas não se importou. Agora seria ela quem tomaria as rédeas da sua vida e tinha a noção de que iria, com isso irritar uns quantos.
- Melhor assim. – Regozijou-se.
Assim, na manhã seguinte, ligou para o escritório e alegou uma indisposição geral que não lhe permitia ir trabalhar. Ficaria um ou dois dias em casa até recuperar. A mentira foi bem aceite, o que lhe fez sentir-se mal, mas…tinha de ser. Depois compensaria. – Disse para se animar.

Na quinta-feira seguinte, Maria esperava-a à porta do edifício, estava preocupada com a sua ausência e ao mesmo tempo ansiosa por saber como tinha corrido a conversa com o pai.  Como tinha o dia de folga, decidiu esperar por Rita à entrada dos escritórios. 
- Bom dia! – Cumprimentou-a enquanto lhe observava o rosto à procura de sinais.
- Bom dia! - Respondeu-lhe ela estranhando a sua presença ali, aquela hora.
- Então, como correu o fim de semana? - Perguntou à "queima roupa", num estilo que não era nada o seu.
- Oh. - Rita ia começar a desbobinar quando de repente uma colega a interrompeu.


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