Amigas Improváveis 5
Rita
olhou à sua volta e respirou fundo.
Não tinha ninguém à sua espera? O que teria
acontecido?
- Rita? És mesmo tu? – Um rapaz alto, moreno de
aspeto jovial aproximou-se de braços abertos.
- João! Há quanto tempo. – Rita respondeu-lhe
ao abraço.
- É verdade. O que tens feito? Estás na mesma.
– João sem a largar tinha-se afastado um pouco para a ver melhor.
Rita riu-se. Era tão bom estar novamente com o
João.
- Mas tu mudaste. E muito. Já não és aquele magricela.
A América tem te feito bem.
João encolheu os ombros num falso embaraço. –
Anda daí. – Disse. Vamos tomar um café. Tens tempo?
- Ó, olha que não sei. O Manel deveria estar
aqui para me vir buscar, mas ainda não apareceu. Vou ligar para casa para ver o
que se passa.
E dito isto pegou no telemóvel e fez a chamada.
Ficou a saber que o Manel tinha sido chamado com urgência para tratar de um
animal e que o pai estava a preparar-se para a ir buscar. Ao sinal de João,
respondeu que tinha boleia e que não era preciso que o pai a viesse buscar.
Logo chegaria. E desligou sem dar mais satisfações deixando a mãe do outro lado
a olhar muda para o telefone.
- Aceito a tua boleia e café. - Disse
bem-disposta. – Na verdade vai-me saber duplamente bem.
Pelo caminho Rita observou-o com atenção.
Já não era o mesmo João, aquele miúdo
magricelas, companheiro de aventuras e desventuras da sua infância e
adolescência. Filho de um dos amigos do pai, era vizinho e íntimo lá de casa.
Tinha mais 5 anos do que ela, mas não parecia.
Era ele quem a desafiava para fazer as coisas mais palermas e perigosas que se
pode imaginar, e quando a coisa dava para o torto era o primeiro a defendê-la e
a protegê-la assumindo muitas vezes a culpa em seu lugar. Era ele quem aturava
as suas birras e lhe dava o ombro para ela enxugar as lágrimas. Foi ele quem a
ensinou a nadar e a andar de bicicleta e quem os quisesse ver era ir ao extremo
da quinta onde estavam sempre os dois, juntos.
Dizia-se por entre portas que as duas famílias
se uniriam um dia, e talvez isso acontecesse, não fosse um pequeno pormenor. O
João era homossexual e quando assumiu isso foi mandado para os Estados Unidos,
pelo pai, para ver se se “endireitava”.
Foi um choque para ambos. Sofreram muito com a
perda até porque o pai da Rita lhes proibiu todo e qualquer contacto, mas a
vida dá muitas voltas e agora ele ali estava.
Sentaram-se no cafezinho da estação. Era um
espaço acolhedor, com mesas brancas de ferro forjado, trabalhadas e cada uma
com cadeiras de madeira de diversas cores e feitios e que estranhamente
formavam um conjunto harmonioso.
Rita pediu uma fatia de folar e um sumo de
laranja. Ele pediu uma coca-cola. Rita riu-se.
- Há coisas que se mantêm- Afirmou ele
referindo-se ao facto de a coca cola ser um produto americano e de ele sempre a
beber mesmo quando em pequeno.
- Então conta-me, como foi a tua vida lá pelos
states.
- Foi dura. Foi muito dura, mas consegui
singrar. Agora estou de volta.
- Então? – Rita estava interessada.
- Olha, o meu pai morreu, e a minha mãe
pediu-me que regressasse para tomar conta das coisas da família. E acabei por
vir. – Deu um gole diretamente na garrafa e encolheu os ombros.
- E consegues viver aqui? Depois de viveres em…
Onde é que vivias?
- Em Nova- York. Mesmo no centro. E é claro que
não consigo. Estive aqui três meses, mas acabei de me mudar para Lisboa. Os
tempos mudaram, mas as mentes por aqui ficaram na mesma.
- A quem o dizes…- suspirou ela.
- Então?
E então ela despejou tudo, como quem abre uma
torneira. Contou-lhe da tramoia, da insegurança, do desejo de vingar, do medo
do pai e de Maria. Ele ouviu-a e nada lhe disse. Como antigamente deixava-a
falar, desabafar e quando ele pensasse melhor sobre o assuntou e ela se
acalmasse, então falariam novamente do mesmo.
Ela relembrou-se a agradeceu-lhe mentalmente por isso.
- Vamos? – Disse levantando-se. – Pagas tu a
conta que ainda és um cavalheiro, não é verdade?
- Olha que lá nos states não é assim.- Respondeu
ele rindo-se e levantando-se também.
Entraram no carro e fizeram o resto da viagem
em silencio, cada um pensando na sua vida. Quando chegaram, Rita abriu a porta
e perguntou-lhe:
- Queres entrar?
- Não, obrigado. Ainda me lembro das palavras
que o teu pai me disse.
- Desculpa… - Ela estava triste.
- Não peças desculpa. Tu não tens culpa de
nada, e eu já ultrapassei isso há muito, mas também decidi que não faço mais
fretes de estar com pessoas de quem não gosto…
A franqueza e a honestidade entre eles não
tinham mudado.
- Olha dizes que moras em Lisboa, onde?
João lá lhe disse o sítio. Não era longe do
sítio onde ela morava.
- Como é que é possível que não nos tenhamos
encontrado? – Refletiu ela em voz alta.
- Como assim?
- Como assim? Então não prestaste atenção ao
que te disse. O meu escritório é lá perto.
- Hein? O teu escritório? Tu trabalhas em
Lisboa?
- Eu não te disse?
- Não. – Disse num tom que não admitia duvidas.
- Oooh. Pensei que tinha dito. – Riu-se com um
ar de inocente.
- Tu não mudas mesmo. Olha quando regressas? Eu
vou estar aqui mais uma semana e vou para baixo. Temos de nos encontrar lá e
falaremos melhor sobre isso.
Despediram-se com um beijo no rosto e um abraço
bem apertado. Ambos tinham muitas saudades um do outro.
Rita entrou em casa mais animada. O encontro
com o João de alguma forma tinha-lhe devolvido o alento.
Beijou a mãe e perguntou pelo pai.
Não estava. Tinha ido tratar de uns assuntos,
só voltaria para o jantar.
- Melhor assim. – Pensou.
Maria estava estranha no sábado. De manhã tinha
ido trabalhar como de costume, mas voltara irritadiça. Estava nervosa,
apreensiva com o que se iria passar com a Rita, mas não quis admitir.
A sua filha, então parecia impossível.
Lembrara-se de renovar a sala e decidiu ir a uma loja de móveis onde se compram
artigos em kits, desmontados para depois montar em casa. Comprou uma estante e
uma mesa e cadeiras. Tinha, com a ajuda do irmão, doado as mobílias velhas a uma
instituição que ambas apoiavam e estava no chão da sala, com tudo espalhado a
montar a estante. O irmão, esse tinha ido sair, assim não enfrentava a fúria da
mãe.
- Posso saber o que vem a ser isto? – Maria não
queria acreditar no que os seus olhos viam.
- Surpresa. – Disse Goreti num sorriso de
orelha a orelha.
- E que surpresa. Mas quem te deu ordem de
mudar as coisas? E onde foste buscar o dinheiro? E onde puseste as coisas que
cá estavam? Vai já buscá-las. Eram minhas, quero-as de volta. – Maria estava
possessa.
-Ó mãe. – Goreti estava deveras aflita. – Eu só
queria fazer-te uma surpresa. Estás sempre a dizer que temos de mudar a sala,
que não gostas dos móveis que a tua sogra te deu…
- Sim, mas quem decide onde e quando sou eu.
Não tinha o direito de fazer isto sem me consultar. – Toda a apreensão e
nervosismo que sentia tinham ali encontrado um bom bode expiatório. – Onde
estão as minhas coisas?
Goreti olhou para o chão. Olhos marejados de
lagrimas que nunca iria deixar sair.
- Estão na “casa do Lago”. Eles lá precisam
mais deles do que nós…
Maria suspirou. Olhou para a filha e
condoeu-se. Suspirou fundo. Sentou-se no chão a seu lado.
- Vamos lá ver como é que isto funciona.
A noite chegou mais rápido do que Rita estava à
espera, e com ela veio o tão temido jantar.
Sentaram-se os três à mesa e feitas as orações
iniciais, o tema de conversa até era leve, agradável. A refeição estava a
correr bem e quando chegou a sobremesa, Rita já estava descontraída pensando
que o assunto estava, por ora, esquecido. Foi então que a meio do café o pai
lhe perguntou:
- Então como estão a correr as coisas lá por
Lisboa?
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