Amigas Improváveis 3


            ​           Naquele dia, Rita estava mesmo desanimada. Estava a chegar o fim do mês e ela tinha que mudar de departamento, e embora se sentisse injustiçada, o que ainda mais lhe custava era ter que admitir, perante o pai, que ele tinha razão quando dizia que ela não estava preparada para viver sozinha, para se desenvencilhar na vida.
           Ela estava! Ela sabia que era capaz de singrar sozinha, só tinha de aprender a ter mais cuidado com o que dizia e a quem dizia.
Até agora, tinha conseguido esconder do pai tudo o que se passava, mas sabia que não o conseguiria por muito mais tempo, o “tio” Domingues, se ainda não lhe contara, estaria prestes a contar. Assim, o melhor era enfrentá-lo de uma vez por todas e ser ela a dizê-lo. Teria de ir a casa neste fim-de-semana…
Sim, era melhor despachar o assunto de uma vez por todas!
Estava perdida nestes pensamentos, completamente alheia da realidade quando esbarrou, sem querer, com Odete que vinha da cafetaria com um copo cheio de café na mão. 
- Cuidado! - Gritou esta tentando evitar o choque sem sucesso.
- Olha lá, vê se vês por onde andas! - Continuou com maus modos, irritada, por ter sujado o seu vestido novo.
Rita ficou deveras atrapalhada, especialmente por ser nela em quem tinha esbarrado, ia a abrir a boca para pedir desculpa quando uma voz soou por detrás dela impedindo-a de o fazer.
- A menina desculpe, mas a culpa não foi inteiramente da menina Rita. A menina Odete vinha a olhar para ela há já um bocado e sabia perfeitamente que ela vinha distraída, pois por pouco não bateu na máquina da água ali atrás. Sabia, e não fez o mínimo esforço para se desviar, para evitar o encontrão. Se não a conhecesse melhor, diria até que foi de propósito. - Disse Maria sarcasticamente.
O rosto de Odete tornou -se vermelho, e ignorando a provocação resmungou acerca do vestido e de como estava estragado e sobre quem ia assumir a despesa.
Rita prontificou-se de imediato a assumir a despesa, mas mais uma vez, Maria defendeu-a.
- Ora quem vai pagar, quem vai pagar… Quem vai pagar é a menina, pois sabe tão bem como nós que o lugar de beber café é no bar, e que o Sr. diretor já proibiu copos de café e de outras bebidas e comidas nos gabinetes. Ora se avançar com queixas como é que lhe vai justificar isso? O melhor é ir cada uma a sua vida e terem mais atenção daqui para a frente.
Rita e Odete estavam estupefatas. Nunca ouviram Maria dizer mais do que duas palavras e nem nunca a ouviram meter-se em assuntos que não lhe dissessem respeito.
Odete abriu a boca para dizer algo, mas arrependeu-se. Fechou-a sem dizer um som, e virando-se num repente, entornou o resto do café no chão e foi-se embora como se fosse uma diva ofendida. 
Rita e Maria olharam uma para a outra e riram-se.
De repente Maria ficou séria. Ficou por algum tempo a olhar para o infinito, a pensar se haveria de falar ou não é como o haveria de fazer. 
Rita adiantou-se.
- Obrigada por me ter defendido. - Agradeceu embaraçada. - Não sei o que lhe fiz, mas desde o primeiro dia que não gosta de mim… - Desabafou referindo-se à Odete.
Maria tornou a fixar o olhar nela. Parecia uma miúda pequena. Fez-lhe lembrar-se a si própria quando veio para Lisboa e se apercebeu de que a sogra não gostava dela. Sem sequer a conhecer! Rita era inocente e sem filtros como ela, e, de repente, sentiu um grande carinho por aquela miúda. 
- Olhe eu nunca lhe cheguei a agradecer pela roupa que me deu. - Começou a dizer. 
- Ora, isso não foi nada, eu ia deitar fora e assim aproveitou-as. - Interrompeu-a Rita.
Maria engoliu o impropério que estava prestes a sair. Aquela miúda não aprendia a ter a boca calada?!
- Hum, porque não me deixa pagar lhe um café?
- A mim? – Rita ia a dizer mais uma das delas quando o olhar de Maria a fez calar.
- Claro! – Disse muito depressa. – Quando quiser.

Marcaram então para o sábado seguinte depois do almoço, no jardim em frente ao escritório, um lugar agradável e sossegado.
           Maria chegou primeiro e sentou-se na esplanada. Estava uma tarde agradável, corria um ventinho quente e suave que fazia abanar as árvores que sombreavam as mesas do café e os bancos de jardim dispostos de um modo circular a volta do café.
Durante a semana o jardim fervilhava de gente, pessoas das empresas e dos escritórios, professores e alunos das escolas ali perto situadas, avós e netos, e donos de cães com os respetivos animais que escolhiam este local para passearem, lerem um pouco, beber um café ou simplesmente sentarem- se num banco e apreciarem as vistas e a vida.
Mas no fim de semana a coisa passava-se de outro modo.
Ao fim de semana apenas alguns moradores e um ou outro turista que por ali passasse, tiravam proveito de um lugar tão aprazível como aquele.
O jardim tão cheio de vida e de barulho durante a semana era agora uma pequena ilha no meio de prédios centenários onde o som da natureza era o único que sobressaia. Era um oásis para quem aprecia o sossego e a contemplação.
Maria pediu um sumo de laranja para a ajudar a entreter as mãos enquanto esperava.
Raras eram as vezes que tinha estado sentada numa esplanada sem fazer nada, e que se lembrasse era a primeira vez que o fazia sozinha.
Era agradável ao mesmo tempo que era estranho. Isto de não estar a fazer nada, isto de ter tempo para refletir, isto de se sentir observada como mulher por um ou outro homem que por ali passava era algo que há muito tempo eliminara da sua vida e agora que revivia sentia uma sensação estranhamente agradável.
Depois lembrou se porque ali estava. Lembrou se de Rita e do que lhe queria dizer e começou a ficar com dúvidas. 
E se ela a mandasse meter -se na sua própria vida? E se ela se chateasse e a insultasse? E se…? 
Não teve tempo para mais dúvidas, um "Bom dia, dona Maria " dito num tom alto e a bom som saiu de trás dela.
Virou-se.
Rita vinha alegre e exuberante. Envergava umas calças de ganga com uns brilhantes a rodear os bolsos, uma blusa de seda cor pérola a condizer com umas sandálias do mesmo tom, e com uns saltos uns centímetros a mais do que a saúde recomendaria. O cabelo vinha a bambolear, preso num rabo de cavalo que emoldurava um rosto que se escondia por baixo de uns óculos de sol de marca. Também eles exuberantes. Não admirava que as cabeças dos poucos homens que ali estavam se virassem todos na sua direção e não admirava a inveja e o ciúme que Odete sentia. Rita era uma força da natureza, bonita e confiante. Não passava despercebida em nenhum lado. O estranho era que a tudo isto ela era alheia. Era assim e pronto.
Deixando-se cair pesadamente na cadeira em frente à Maria suspirou.
- Puxa, estas sandálias dão-me cabo dos pés, pelo preço que paguei por elas bem podiam ser mais confortáveis.  Mas são bonitas não são? – Mostrou-as levantando a perna para que Maria as pudesse ver...
Maria riu-se.
- São, são.  Mas para a próxima escolha umas mais econômicas e mais confortáveis...
- E depois? Como é que eu encontro, o meu príncipe? Ele tem de saber que o sapato é meu, tenho de ter uns exclusivos. - Riu-se fazendo alusão ao conto da Cinderela. 
- Ah pois. Percebo. - Maria estava bem disposta. Aquela miúda não existia. Como era possível?
O empregado veio e perguntando-lhes o que queriam, desfez- se em simpatias para Rita, mas ela nem reparou. Pegou na ementa e escolheu um bolo e pediu um café pingado a ferver, mas em chávena fria, muito fria. Maria pediu apenas outro sumo de laranja, pensando que nada que ela fazia ou pedia era simples.
- Então, dona Maria.  Como foi o seu dia? Trabalhou muito? Eu cá dormi até há pouquinho. Ontem fui sair com um amigo e uiiii!!!!! - Piscou o olho fazendo uma cara de caso.
Maria suspirou. Se dúvidas tivera sobre falar ou não com ela, agora tinham-se ido.
- A Rita desculpe-me. Posso trata la por Rita?  - Perguntou antes de continuar. 
- Sim, claro! - Respondeu-lhe ela.
- A Rita desculpe-me a franqueza, mas não pode continuar a ser assim.
- Assim como? - Perguntou deveras surpresa.
Maria Suspirou.
- Assim, sem filtros. A dizer tudo o que lhe vem à cabeça, sem medir o que diz e a quem o diz.
- Como assim? - Rita abriu muito os seus olhos e inclinou-se sobre ela, como se dessa forma compreendesse melhor.
- Por exemplo.  - Retomou Maria- A Rita não me conhece para contar me que passou a noite com um amigo...
- Mas...claro que conheço.  Trabalho consigo todos os dias no escritório, sei que tem dois filhos e um marido.
Maria suspirou e pensou - isto vai ser mais difícil do que eu pensava. 
- Ora aí está. Não me conhece. Tenho um filho e uma filha e sou viúva. - O olhar era assertivo 
- Aaah. Lamento- foi a reação de Rita. - E estava a ser sincera.
- Ouça.  - Maria tentava ter paciência e dominar o seu instinto nortenho. - Já viu que no escritório há pessoas que...- Aqui Maria fez uma pausa. Não sabia bem que termo usar.
- Sim?
- Há pessoas que não querem o seu melhor. – Completou à falta de outra expressão menos elucidativa.
- Sim, eu sei. A Odete. Ela tramou-me bem.
- Então?
- Ó! Falsificou uns relatórios e foi apresentá-los à direção como sendo meus e agora vou ser despromovida para o 1º andar.
- Como assim? – Maria tentava perceber. Afinal era mais grave do que se tinha apercebido.
E Rita lá lhe explicou o que se passara, terminando por dizer que tinha até ao fim do mês para sair de lá.
- E o que mais me custa, é ter de ir ter com o meu pai e contar-lhe. Estou mesmo a ver a cara dele:
- Eu bem te avisei que aquilo lá em baixo não era para ti. Aí tens a prova de que eu tinha razão. O melhor é voltares.
- Mas eu não quero voltar. – Continuou num tom de voz suplicante. - Eu sei que sou capaz, até já pensei em mudar de casa para ele não continuar a controlar tudo.
- Calma. Uma coisa de cada vez. Isso da menina Odete não pode ser desmascarado?
Rita ficou calada por uns tempos. Nunca lhe tinha passado pela cabeça criar um plano para desmascarar Odete. Será que isso seria possível?





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