Amigas Improváveis 2


- Hein? Nada. – Rita de imediato limpou as lágrimas, esborratando ainda mais a maquilhagem. – É só uma alergia. – disse, e saiu apressadamente.
- Alergia em fevereiro? – Pensou Maria. -  Está bem, abelha. Conta-me outra…
Mas como a vida é feita destas coisas, não deu muita importância ao assunto e continuou com a sua. No entanto ficou com a “pulga atrás da orelha”, e, nesse dia ao jantar, mencionou o facto aos seus filhos. Mais uma vez, Goreti foi implacável.
- Deve ter estragado outra blusa que o papá lhe deu. – disse com escárnio.
- Que parva! – Retrucou o irmão. – Estás a ser mesmo estúpida!
- Vocês os dois parem! Não comecem! – Maria levantou-se e começou a tirar os pratos da mesa. Goreti seguiu-a na arrumação e Manuel deixou-se ficar sentado a roer uma pera.
- Se calhar teve alguma má noticia da terra… - Retomou ele.
- Ou se calhar levou um pontapé do namoradinho. – Ela continuava.
Maria ficou calada. Não queria alimentar mais aquele assunto, mas tomou interiormente a decisão de ir averiguar mais.
No dia seguinte, chegou ao trabalho mais cedo. Queria limpar a secretaria dela com mais cuidado a ver se descobria alguma coisa… Nada. O que quer que houvesse, se houvesse, estaria fechado nas gavetas e nisso ela não mexia. Resolveu ir até ao bar. Já tinha feito o seu trabalho, e ali poderia ser que ouvisse alguma coisa. Mas mais uma vez não teve sucesso. Àquela hora poucas eram as pessoas que ali estavam e as que estavam bebiam café e liam os jornais com um pedaço de pão ou de bolo na boca que se encontrava assim ocupada a comer e não a falar. Ficou apreensiva. Se calhar a sua filha tinha razão, e não era nada de especial, mas havia qualquer coisa que lhe dizia que não. E ela confiava sempre nos seus instintos.
Nesse mesmo dia, Rita chegou ao trabalho com os olhos inchados de tanto chorar. Ainda tentara disfarçar com a maquilhagem, mas não fora bem-sucedida. Tinha um rosto demasiado genuíno para esconder o que lhe ia na alma.
Odete, a sua rival, regozijava. Tinha conseguido o que queria. Tinha recuperado o seu antigo lugar. E como? À custa de uma difamação, pois claro. Forjou alguns documentos e, levando-os à direção, conseguiu provar que Rita não estava apta para aquele cargo, que era demasiado infantil e inconstante, e que ela, Odete, tinha durante todo estes meses corrigido os erros deixados por ela, e tinha-se calado por amizade, mas agora as coisas tinham tomado uma proporção tal, como os documentos atestavam, que ela já não se sentia com coragem para continuar a “tapar mais buracos”, e antes que Rita, inocentemente, cometesse algum erro grave que prejudicasse a empresa, ela resolvera contar a realidade à direção, libertando-se assim de qualquer responsabilidade.
O ar de preocupação e de humildade fora tal, que acabara por convencer o diretor, que já não estava no máximo das suas capacidades, e assim acedera em transferir Rita para um lugar muito aquém das suas qualidades, devolvendo a Odete o seu antigo posto de trabalho.
Rita quando soube, e especialmente quando soube o porquê sentiu-se furiosa. Queria ir tirar satisfações com a Odete, queria gritar a sua inocência, queria provar que aqueles documentos eram forjados, e ainda tentou, mas cada vez que argumentava, o seu temperamento nortenho fazia-a erguer a voz e o seu diretor, já sem paciência, rematou a conversa, dizendo-lhe que ou ela acatava as ordens ou tinha a porta da rua à sua disposição.
Isto desnorteou-a. Desorientada por se sentir injustiçada, e por não se poder defender, correu até à casa-de-banho e silenciosamente deixou sair a sua raiva através das lágrimas.
Ao chegar ao gabinete o silêncio era notório. Era obvio que todos já sabiam. Alguns olhavam-na com um ar comprometido, outros com um ar solidário e Odete com um ar triunfante. Rita segurou-lhe o olhar. Não se iria rebaixar. Nesse dia e nos seguintes fez o seu trabalho com o dobro da atenção e teve o cuidado de fazer uma copia de tudo e enviar para o seu computador de casa. Seria no fim do mês que iria fazer a mudança e até lá todo o cuidado era pouco.
No entanto não era esta a sua forma de estar, não gostava de desconfiar de quem estava à sua volta, nem de ter de pensar duas vezes antes de dizer fosse o que fosse, de modo que andava infeliz. Cabisbaixa. Já não era aquele furacão, aquela força da natureza que ali chegara. Odete por sua vez andava feliz e contente. Sorria e falava a toda a gente como nunca tinha feito. Sentia-se invencível.
Num dos dias, enquanto Maria limpava a secretaria de Rita, que estava ausente, Odete aproximou-se e muito cúmplice disse-lhe:
- Não se preocupe muito com essa mesa. Daqui a uns dias vai ficar desocupada, e aí sim, temos de fazer uma desinfestação. – riu-se.
- Desculpe?!
- Ainda não sabe?
- Não sei o quê?
- A nossa Ritinha, vai mudar de lugar. Vai para o primeiro andar, que está mais próximo da rua. – riu-se da sua graça.
- Não estou a perceber.
- A nossa Ritinha. – Repetiu com um ar de gozo. – Foi despromovida, e vai para o primeiro andar, não sei para que secção, mas qualquer uma lhe deve servir.
Maria apertou com força o pano do pó. Então era isso. Era por isso que ela chorava.
- Hum, e quem a vem substituir? – perguntou como quem não quer a coisa.
- Substituir não. Vou recuperar o meu antigo lugar. Aquele que é meu por direito. – Odete mordeu o isco sem saber.
Maria não comentou mais nada. Continuou o seu trabalho e Odete foi atender o telefone. Era uma chamada pessoal e por isso não interessava ao ouvido de Maria.



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