Amigas Improváveis 4


- Acha que era possível desmascará-la? – Rita devolveu a pergunta.
- Não sei. Eu pouco ou nada sei sobre o assunto, mas do que sei da vida, é que há muito poucas coisas que não possam ser desmascaradas. 
- Huumm. – O cérebro de Rita, fervilhava.
- Posso ajudá-la no que me for possível, embora já lhe tenha dito que não percebo nada do assunto. Ali sou só uma formiguinha invisível.
O rosto de Rita iluminou-se.
- Ora é mesmo disso que precisamos – Já assumia o plano a duas – De uma formiguinha invisível. Deixe-me pensar um pouco no assunto e depois logo lhe digo.
Maria olhava-a divertida. Era incrível como é que ela tinha mudado de um instante para o outro. Voltava a ser aquela Rita a que ela se habituara a ver.
- Agora em relação ao meu pai…
- Agora em relação ao seu pai, a Rita vai com calma e não se mostra cabisbaixa. Não foi a primeira nem há de ser a última a quem fizeram alguma coisa no emprego. Ele com certeza que também já passou por uma situação deste género. Agora o que importa é mostrar-se confiante e, se achar bem, dizer-lhe que até já tem um plano para resolver tudo. – Aconselhou-a Maria com um ar resoluto.
Agora foi a vez de Rita olhar para Maria. Como é que era possível que uma empregada de limpeza fosse tão sábia? E falasse daquele modo?
- Sabe, nunca pensei que fosse tão inteligente. – Disse impulsivamente.
- Sério?! – Maria engolia novamente em seco aquilo que tinha ouvido. Porém, o que os seus lábios não disseram a sua cara demonstrou-o bem.
-Ó, não me leve a mal! – Apressou-se a dizer. - Estou a elogiá-la. Normalmente as empregadas de limpeza não são muito inteligentes, mas não tem a culpa coitadas.
Tentava remediar, mas só fazia pior.
- Ó Rita, lembra-se do que há pouco lhe disse?
Rita olhou-a confusa.
- Disse-lhe duas coisas:
1º - tem de pensar antes de falar. Não pode dizer tudo o que lhe vem à cabeça!
 2º - A Rita não me conhece. Não sabe nada acerca do meu passado. Sabe se eu tenho estudos e se por alguma infelicidade me encontro nesta situação?
- Tem? – Rita estava cada vez mais espantada.
- Não, não tenho. Tenho o liceu mal tirado. Mas isso não interessa. Poderia ter e a Rita não saberia. E mesmo que não tivesse, não é coisa que se diga, ofende as pessoas!!!
- Mas… - Rita estava a ficar aflita. – Eu não a queria ofender. Juro! Estava até a elogiá-la.
Maria suspirou fundo mais uma vez.
- Eu sei que não. – Falou num tom de voz já mais calmo. – E é verdade que a maior parte das pessoas da minha condição não têm grandes estudos, mas isso não faz de nós burras. Cada pessoa é uma pessoa diferente e olha para a vida e colhe da vida ensinamentos diferentes, uns mais profundos do que outros. Nós não somos só o que estudamos, somos o que a vida faz de nós.
Rita estava boquiaberta. Nunca pensara que Maria fosse tão inteligente, tão observadora. Sentia-se terrível com a injustiça que fizera.
- Dona Maria, desculpe-me. – Começou por dizer.
- E pare de pedir desculpas. - Atalhou Maria. – Os erros cometem-se e emendam-se não é preciso estar sempre a dar parte de fraca.
Rita ficou muda. Não sabia o que responder.
- Eu sei que não sou como a maioria das minhas colegas, mas é porque tive a sorte de conviver com um homem muito culto, que me ensinou muito, a cerca da vida e de coisas da vida e que me apoiou nos momentos mais difíceis.
- O seu marido?
- Não. O meu marido pouco me pode ensinar, infelizmente.
- Então quem? – Rita começava a ficar escandalizada.
- Um amigo. – Respondeu Maria num tom que não admitia mais perguntas.
Rita percebeu a mensagem e calou-se. Por uns breves instantes…
- Então como é que ficamos?
- Como assim?
- Como é que ficamos? O que é que iremos fazer?
- Eu, não vou fazer nada! Por enquanto…– Apressou-se a dizer ao ver o rosto de Rita a ensombrar-se. – Quando é que vai à terra?
- Para o próximo fim-de-semana. - Suspirou Rita.
- Então tem uma semana para pensar em como desmascarar aquela Odete. Depois diz-me. – Levantou-se. – E agora tenho de ir. A conta fica por sua conta. – Riu-se.
- Até segunda! – Disse já na ponta da esplanada.
- Adeus. – Respondeu Rita que se deixou ficar sentada a pensar.

           Rita foi para casa, para a terra, contrariada. Não lhe apetecia enfrentar a sobranceria do pai nem a piedade da mãe.  Era certo que, desde que falara com a Maria, a situação tinha progredindo a seu favor. Embora ainda não estivesse totalmente resolvida, tinha na sua mão, documentos que atestavam a sua inocência quanto à acusação que a outra lhe tinha feito. Se fosse uns meses antes, Rita teria dito e mostrado os documentos a seu pai que os iria usar para a defender como sempre fizeram ao longo de toda a sua vida, mas desta vez não.  Desta vez iria ser diferente. ELA iria resolver tudo, e quando já tivesse provado a sua inocência, quando já tivesse desmarcado e afastado a outra, aí sim. Aí ela iria demonstrar aos outros com “quantos paus se faz uma canoa” ...
           Até lá… Lembrou-se das palavras e da expressão de Maria.
Como teria sido a sua vida?
Ela era impressionante. Sempre calada, sempre a fazer o seu trabalho, nunca ninguém dava nada por ela e no entanto…
O comboio parou.
Tinha chegado à estação. Rita demorou um pouco a levantar-se. Não lhe apetecia sair…
Quando ouviu o apito de início de marcha, deu um salto e correu para a porta.
A estação estava quase vazia. Apenas algumas pessoas que se demoravam às janelas despedindo-se de quem estava do outro lado e 3 ou 4 pessoas na fila para os táxis.






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