Alice fim

 

Alice olhou para Pedro com um ar de desilusão estampado no rosto.

- O que foi? O que é que ele escreveu? – Perguntava Pedro ansioso.

- Oh! Nada do que eu queria… - Alice estendeu-lhe o livro.

Pedro leu-o e devolveu-lho.

- Não percebo. Não querias que ele fosse sincero? Então?

- Então… - Ela encolheu os ombros, atirou com o livro para o cadeirão, com um gesto aborrecido e levantou-se.

- Então? – Ele imitou-a na pergunta. – Não te estou a perceber.

Frustrada, pegou na caneca com o café, já frio, e bebeu um gole. Fez uma cara de asco. Café frio não sabe bem a ninguém…

Olhou-o.

- Não percebes? Isto acaba com tudo. Com isto, Acabou-se o mistério, acabou-se a emoção, acabou-se o jogo, tudo! Vamos voltar às nossas vidinhas maçadoras e enfadonhas… - O ar dela era cómico.

Ele olhou-a e sorriu. Ele tinha-a percebido tão bem…

Sem se conter foi ter com ela e abraçou-a. Um abraço forte, sentido, demorado. Um abraço daqueles que une os corpos e os corações e que aconchegam a alma. Um abraço daqueles que no leva para um lugar seguro e confortável de onde não queremos sair.

- Entendes? – Perguntou-lhe ela passado uns momentos.

- Entendo sim, mas não de ser necessariamente assim, sabes? – Ele segurou-lhe o rosto e olhou-a dentro dos olhos, para lá do seu ser.

Alice estremeceu. Sabia que não devia sentir o que estava a sentir, mas não se queria afastar.

- Não? – Perguntou quase sem voz. – Mas ele disse que tudo não passou de uma brincadeira, de um jogo que já não queria jogar mais. E nem sequer respondeu às perguntas que lhe fiz. Sinto-me tão parva…

Afastou-se e cobriu o rosto com as mãos como se assim escondesse a vergonha que sentia.

Ele tornou a puxá-la para junto de si.

Ela deixou-se ir.

- Ouve, este jogo acabou certo. Mas a vida tem muitos outros jogos para jogar, sozinha ou com outras pessoas. E não, não te sintas parva. O que fizeste é normal, eu também alinhei contigo, e se não te acompanhei mais foi porque… - Os olhos dele diziam o que os lábios calavam.

- Porque? – Ela pressentia, mas queria ter a certeza. Desta vez era ela quem o olhava para dentro dos olhos.

- Porque, porque não tive tempo. – Mentiu. – Com isto da livraria… - Levantou os braços naquele gesto que demonstra impotência perante uma situação que não controlamos.

Afastou-se e começou a arrumar uns livros.

Alice ficou parada a olhar para ele, e a pensar no que ele disse, e no que ele não disse. Foi ter com ele, e tirou-lhe das mãos o livro que ele se preparava para arrumar.

- Pedro… - Chamou-o baixinho.

Ele engoliu em seco. Estava a ser demasiado difícil controlar-se, mas ele tinha a Isabel. Nunca a traíra e não era agora que o iria fazer. E além do mais ela tinha o marido.

- Ouve. Não te sintas mal. Podes, podes… Podes tu começar um desafio, lançares, sei lá, na tua escola, na tua turma, uma espécie de caça ao tesouro, um pedi paper, qualquer coisa, com os teus alunos, ou com os teus colegas.

Ela olhou-o desiludida.

- Achas? Não percebeste nada mesmo, pois não? Não faz mal. Não é culpa tua.

Foi até à porta que dava para o jardim e chamou o Tim que estava com o focinho enfiado num canteiro.

-Tim! Tim! O que estás a fazer? Anda, vamos embora.

Pedro estava com o coração pequenino. Queria chamá-la, pedir-lhe que não fosse dizer-lhe que jogariam juntos pela vida fora se ela o assim quisesse, mas não podia, não devia…

Tim veio a resmonear. Estava tão bem, a guardar aquele pedaço de comida que alguém ali se tinha esquecido, e agora tinha de ir para casa?! A vida não era nada justa. Porque eles não ficavam mais um pouco a falar, pareciam ter tanto para dizer e nunca diziam nada de jeito. Ele bem que poderia ser o seu novo dono. Sempre era melhor que o atual…Se bem que não percebia porque é que ela haveria de ter um dono. Era tão bom quando ficavam os dois sozinhos em casa…Ele até podia dormir no quarto deles.

- Onde é que enfiaste o focinho, seu porco? – Alice ralhava docemente com ele ao mesmo tempo que com meiguice lhe limpava o nariz com um lenço de papel. – Olha para isto. Já viste o estado em que ficaste?

E, olhando para trás, pediu desculpa ao Pedro pelo buraco que ele fez no jardim.

- Ora, não te incomodes. – Fez um gesto com a mão para ilustrar a pouca importância que isso tinha. - É só mais um a acrescentar aos que as toupeiras fazem.

- Tens toupeiras? – Perguntou Alice, contente pelo facto de a conversa ter virado para um tema banal. Não gostava nada de criar tensões com os outros.

Ele sorriu, contente pelo mesmo motivo.

- Pelo menos uma, mas ou é muito ativa ou então chama os amigos para ajudar. A princípio eu ainda os tapava, mas por cada um que eu tapava apareciam dois ou três uns dias depois, pelo que desisti… Afinal o que posso eu contra um inimigo que não se deixa ver? Não é uma luta justa!!! – Brincou.

- Não. Não é de todo. – Ela alinhou na brincadeira.

Nisto o telefone tocou mais uma vez. Aliás, os telefones de ambos tocaram ao mesmo tempo. Como se tivessem adivinhado, como se tivessem combinado, os respetivos de ambos, resolveram telefonar ao mesmo tempo.

Ele olhou com um ar de enfado para o aparelho e desligou. Ela imitou-lhe o gesto e o olhar.

Olharam um para o outro e riram-se:

- Quais são as chances de isto acontecer? – Perguntou ela divertida.

- Raras. Muito raras. – Respondeu ele olhando-a com um ar travesso.

- Sabes? – Disse ela de repente, com um ar misterioso e empunhando o telemóvel na mão. – Eu acho que… - Aproximou-se dele.

- Tu achas que… - Aproximou-se dela.

- Eu acho que a vida nos está a lançar um desafio, alinhas?

Como resposta, ele acabou com o pouco espeço que havia entre eles, e beijou-a de uma forma ardente.

- Claro que sim. O que é a vida senão um desafio?



 

Comentários

Mensagens populares