Alice 11
De volta ao trabalho, Alice estava desconcentrada. Dava as aulas com impaciência, sempre a olhar para o telemóvel, à espera da chamada que não vinha. Ao almoço, ficava calada, respondendo com monossílabos aos colegas que fartos de a ver assim nos últimos tempos também pouco falavam com ela.
Em casa as coisas iam de mal a pior. O
marido desde que viera desta última viagem, trancava-se cada vez mais no
escritório, ainda mais, e quase não comia nem dormia. Valia-lhe o Tim, o seu
mais velho e fiel amigo que nunca estava ocupado para estar com ela e nunca
perdia uma oportunidade para lhe demonstrar o quanto gostava dela.
- Sabes? – Falava com ele enquanto sentada
no sofá da sala lhe afagava a cabeça. – Tenho saudades de estar com o Pedro.
Com ele é tudo tão divertido. E ele dá-me atenção, sabes?
O Tim, como que percebendo, ladrou-lhe e
fez-lhe uma cara de quem diz: eu-também. -te-dou-atenção.
- Ó! Eu sei meu pequenito, eu sei. Mas
não é a mesma coisa. Achas que deva lá ir? Já passou tanto tempo e nada…Será que
o outro desistiu?
Ires à livraria?
Sair? Hum, isso parece-me uma boa ideia!!! –
Foram estes os pensamentos que de imediato apareceram na cabeça do Tim que de
pronto se levantou e foi buscar a trela.
- Onde vais? – Ainda lhe perguntou
Alice.
Mas ele já tinha saltado do seu colo e
ido para a porta, buscar aquilo que ele sabia que ela iria entender…
- O que é que foste fazer? –
Perguntou-lhe ela divertida ao vê-lo chegar de rabo a abanar e trela presa nos
dentes.
Uof! Uof! – Largou-lhe a trela aos pés
enquanto pulava desenfreadamente.
- Já sei. Já sei! Queres ir à rua, não
é?
Rua? Não. Quero ir
à livraria. Tem lá aquele jardim com pássaros à minha espera! - Inteligente como só ao cães sabem ser, deu meia volta e foi até ao
escritório. Sem bater, empurrou a porta e ignorando os gritos do dono, saiu de
lá com um livro na boca que apanhou de cima do cadeirão.
- Volta aqui cão estúpido! Volta já
aqui! – Gritou-lhe o dono da porta.
- Tim! O que fizeste? – Ralhou-lhe
divertida Alice. – Foste à toca do lobo? E trouxeste de lá uma ovelha? –
Riu-se.
- Vá, vai lá entregar o livro que eu
já percebi o que queres. Vamos à livraria!
Obediente, Tim voltou ao escritório e
deixou o livro no chão e mais uma vez entre gritos e responsos, lá saiu de
cauda a abanar.
Ele que ralha à
vontade! Consegui o que queria! – Era o que o
seu ar matreiro dizia.
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- Boa tarde, pode-se? – Alice abriu a
porta da livraria que devido ao vento frio que se fazia sentir, estava encostada.
- Alice! Olá! Há quanto tempo não
dizias nada! – Pedro largou o que estava a fazer e veio recebê-la à porta com
um sorriso de orelha-a-orelha.
- Entra. Tira o casaco que aqui está quentinho!
-Uof! Uof! – Ladrou Tim.
- Olá Tim! Também estava cheio de
saudades tuas! – Baixou-se e afagou-lhe a cabeça. – Trouxeste a tua dona a
passear?
- Literalmente! – Respondeu ela
enquanto tirava o casado, o gorro e o cachecol e os pendurava num cabide junto
à porta. – Foi mesmo isso que aconteceu!
- Então? – Pedro continuava parado a
olhar para ela sem outra reação que não a de a observar extasiado.
- Ofereces-me um café, e eu conto-te?
- Hein? Claro! Onde estão as minhas
maneiras? Vamos acabei de fazer agorinha mesmo. Ainda está a escaldar.
- Hum que bom! – Alice seguiu-o escada
abaixo.
- Então? – Perguntou-lhe já sentada
naquela sala junto ao jardim.
O Tim já estava lá fora a correr atrás dos pássaros.
- Então?
- O que tens homem? Dormiste mal? Pareces apático. Está tudo bem?
Pedro na realidade, tinha efetivamente dormido mal. Mas não era só
naquela noite. Desde a última visita de Alice, as discussões com Isabel
tinham-se tornado mais frequentes e mais agressivas tendo terminado com ela a
acusá-lo da perda do filho de ambos porque ele não tinha ficado contente com a notícia.
Como se isso fosse possível!!! Ele tinha ficado contente, só que
tinham também ficado assustado, e isso refreou-lhe o entusiasmo. Tinham casado há
pouco, ela não tinha emprego, ele estava à pouco num novo lugar, tudo isso o
assustava.
Mas nunca, nunca tinha querido mal ao filho, e ficara tão triste
como ela quando ela abortou, só que não o podia demonstrar, ela tinha ficado um
caco e ele tinha de ser forte pelos dois e andar com o barco para a frente!
Bolas! O que mais queria ela dele?!
Ele tinha tentado, Deus era testemunha de como tinha, mas era
apenas um ser humano…
- Está, está sim. Desculpa. Olha tenho tido tanto trabalho que
confesso que me esqueci do nosso assunto.
- Ai sim?! – Fez um ar aborrecido.
- Vá não te zangues…
A cara dele era tão cómica que ela desatou a rir.
- Zangarmo-nos contigo deve ser uma tarefa impossível! Vamos lá ver
se temos novidades.
E pegando na caneca cheia de café que ele lhe ofereceu dirigiu-se à
prateleira onde estava o livro que ela tinha indicado, pousando a caneca numa
mesa de apoio sem sequer ter provado o café.
- Oooh! Não está aqui! – Disse dececionada enquanto revirava os
livros à procura do caderno.
-Não? – Ele aproximou-se e a presença dela fê-la estremecer.
-Talvez alguém o tenha posto fora de ordem… - Disse ele juntando-se
a ela na busca. Os corpos próximos, muito próximos, as mãos a tocarem-se de vez
em quando, os olhos afastados uns dos outros. Não tinham coragem de se olharem.
- Sabes? – Continuou ele – Tenho tido visitas de grupo de
arquitetura para verem o edifício, e eles mexem em tudo. Talvez o tenham tirado
do lugar…
E dizendo isto, baixou-se e começou a procurar na prateleira de
baixo. Ao fazê-lo os seus olhos desviram-se para as pernas dela. Como eram bem
feitas! Longas e torneadas,
Sentiu um impulso enorme de lhes tocar e foi com uma força herculana
que se controlou.
- Céus! Estou a ficar doido? Comporta-te homem!!!
- Então? Encontraste alguma coisa?
De repente ela estava agachada ao seu lado e o seu perfume
inebriou-o toldando-lhe o raciocínio mais uma vez.
- ó homem de Deus! Está aqui! - Ela exibia triunfante o livro preto
nas mãos.
- Vamos ver o que diz!
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