Lua 9

 

- Não sei, não sei. Que m*da de vida! – respondeu ele alterado, enquanto pontapeava um tronco de árvore, e empurrando-a quando ela o tentou acalmar.

Ela assustou-se e ele arrependeu-se voltando-se para ela e abraçando-a. Esta era a primeira contrariedade que sofriam juntos e ela nunca o vira alterado senão naquele momento, mas com os olhos cegos de paixão, atribuiu o comportamento dele ao desespero que ele sentia por ficarem separados tanto tempo. Assim, um pouco assustada, e com um sininho de alarme e ecoar-lhe no peito tentou consolá-lo.

- Calma! – Retribuiu o abraço. – Se pensarmos bem, eu poderei ir ter contigo nas férias,  e tu poderás vir nas tuas licenças, e daqui a um ano poderei pedir transferência para lá.  – Procurou-lhe os lábios para o beijar, mas ele afastou-a bruscamente.

Irritado pegou numa pedra e atirou-a para longe, falhando um cão que por ali passava, por pouco.

Ela assustou-se novamente e virou-se de costas. Ao aperceber-se disso, Fernando procurou-a abraçando-a ao mesmo tempo que lhe sussurrava para o rosto escondido no seu peito.

- Desculpa, desculpa. Tens razão.  Vamos ultrapassar isto juntos.

À noite, deitada na sua cama, Lua reviveu a cena que se tinha passado e teve vontade de pegar no diário e escrever.

Ainda afastou as cobertas para se levantar e ir buscá-lo, mas depois arrependeu-se.

Escrever aquilo, tornava as coisas mais reais, impossíveis de serem apagadas, esquecidas, e naquele momento o mais que ela queria era apagar o medo que sentira naquela tarde quando ela a empurrou. Resolveu forçar-se a esquecer. Afinal, todos tínhamos dias maus…

Os dias seguintes passaram-se a correr, e com a aproximação da partida, e o sentimento de perda futura, os dois aproximaram-se mais, e entre juras e promessas entregaram-se um ao outro na casa que ele iria deixar para trás.

O amor, como não podia deixar de ser, como tudo o que acontecia na vida de Lua, foi lindo e intenso. Nunca ela se sentira tão completa, tão feliz. Sentia-se tão bem que pela primeira vez, percebeu a mãe e tentou perdoar ao pai. Embora não tivesse a certeza de nada, sentia, sabia, que a partir daquele momento, também ela era mãe, também ela cometeria erros e também ela quereria ser perdoada pelo filho.

Sim, filho. Ela sabia que teria um menino.

Um dia, mesmo antes de se separarem, e juntos, deitados no chão do quarto em cima do colchão que era a única peça que ainda restava da vida daquela família naquela casa, Lua tentou puxar o assunto. Perguntou-lhe se ele já imaginara como seriam os filhos, e quanto quereria ele ter.

A resposta que ele deu, magoou-a.

- Filhos?! Tu “tem calma com o andor que o santo é de barro” – gracejou.

- Mas, tu queres um dia ter filhos não queres? – perguntou-lhe ansiosa.

- Sim, acho que sim. Sei lá. Nunca pensei nisso. Sou muito novo ainda. Olha, amanhã, sempre consegues ir ter comigo ao aeroporto? Para te despedires? – O assunto para ele estava mais que tratado. A viagem era o que lhe estava na mente e no coração.

- Sim. – respondeu amuada.

Ele tomou o amuo como sendo da separação e abraçando-a disse-lhe:

- Vais ver que vai passar rápido. Eu já me mentalizei, e tu deves fazer o mesmo. É mais fácil.

Levantou-se e começou a vestir-se. Ela deixou-se ficar mais um pouco a pensar.

- Talvez esteja enganada. Talvez não esteja grávida. – dizia para os seus botões.

O dia da partida chegou, mais rápido do que eles queriam, e ele foi e ela ficou. Nos primeiros tempos sentiam-se ambos tristes, desanimados, ansiosos que a noite chegasse para poderem matar as saudades um do outro, esquecendo-se ambos de todos os defeitos que viram um no outro, e engrandecendo as pequenas virtudes. Mas a vida é implacável, e impõe-se sobre tudo e todos, e aqui também se impôs, e Lua, começando a estagiar em hospitais, foi tendo contacto com a vida, foi praticando o que aprendera e aprendendo novas práticas, e à noite, cansada, pouca vontade tinha do que dizer mais do que um “ olá, como estás? Como foi o teu dia?”, porque o sono, um dos companheiros da vida, chegava forte e abraçava-a levando-a para a lua, onde ela se encontrava com o piloto e com a mãe e com um ou outro doente que a impressionavam.

Os meses passaram-se e a menstruação não veio. Lua atribuiu o facto ao cansaço e ao stress de ajudar de longe a preparar o casamento da irmã. Nunca ela pensara que uma cerimónia fosse tão complexa, com tantas pontas para tratar e tantas contrariedades para resolver, sendo a maior delas todas a depressão bipolar, ou melhor, a alternância de humores que a irmã e o pai sentiam com a aproximação da festa e com a ausência da mãe e da avó na mesma.

Tão depressa se sentiam entusiasmados e com ideias e com vontades, como logo a seguir, algo que viam ou ouviam, fazia-lhes lembrar a mãe e/ou a avó e caiam num choro, num mutismo, numa letargia que ela de longe tentava contrariar. Tudo isto juntamente com a época de exames que se aproximava…

Assim, não era estranho que ela não estranhasse a ausência da menstruação. Toda a gente sabe que os nervos são bem capazes de a suprir por um ou dois meses, o que, bem vistas as coisas, até nem era mau, porque ela passava um mau bocado com isso. Não fora o sono anormal que sentia e tudo estaria bem, mas também isso ela atribuiu à vida “louca” que levava.

Calhou um dia, quando estava de férias em casa, a estudar para os exames e a preparar-se para ir visitar o Fernando a uma ilha, e a irmã a outra, que a sra. Vicência fizesse um comentário acerca da gravidez de indesejada da filha da vizinha.

- Vê lá tu. – dizia-lhe enquanto descascava as batatas para o almoço. – As raparigas de hoje em dia, não têm juízo nenhum.

- Então? – perguntou-lhe sem querer realmente saber a resposta. Pensava na matéria de anatomia que tinha para estudar e que ainda mal lhe tinha pegado.

- Então, a Carla, da sra. Rosa, está grávida e não quer dizer que é o pai. Diz que quer criar a criança sozinha, que não precisa de marido. Que não precise de marido, eu até entendo, agora uma criança precisa sempre de um pai. – rematou esquecendo-se da infância de Lua.

- Nem sempre! – comentou ela. – Olhe o meu caso.

- Ó querida. Desculpa. – Atrapalhada, largou o que estava a fazer e aproximou-se dela. – Mas a tua mãe era diferente, e tu tiveste pai. Quando vocês mais precisavam ele apareceu.

- Pois… - respondeu sem querer dar continuação ao assunto. – Mas isso só lhe diz respeito a ela não acha? Olhe, já temperou a carne, ou que que eu a tempere?

A sra. Vicência acusou o “toque” e voltando ao que estava a fazer, continuou:

- Acho que tens razão…Eu já temperei, mas se calhar podes pôr no forno.

Lua sentiu-se mal. Sabia que tinha sido brusca e que ela não merecia isso, mas quando ela contou o que se passava com a filha da vizinha, lembrou-se que a causa da falta do período poderia não ser a agitação que sentia, e que o sono poderia não ser do ritmo de vida acelerado que tinha…

- O que hei-de fazer? – falou para si?

- Faz o teste. – respondeu-se de imediato.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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