Lua 7
O
tempo foi passando, o aeroporto foi-se esvaziando e Lua continuava ali, parada,
de mala na mão e sentada no malote grande. Parecia mesmo terem-se esquecido
dela.
Já
tinha ligado para o Dr. Mendes, mas nem ele, nem o telefone do Dr. João, o seu
cunhado, atendiam. Começava a arrepender-se da decisão tomada quando ouviu o
seu nome:
- Lua?
Lua? – Um homem gordo e esbaforido corria do fundo do corredor chamando por
ela.
Lua
levantou-se.
- É a
Lua? Desculpe-me o atraso, foi o maldito carro. - Pegou-lhe no malote grande e
começou a caminhar no sentido de onde vinha.
- E
ainda por cima vou ter de ouvir a Cência… Detesto quando ela tem razão! E infelizmente
ela tem quase sempre razão! – falava mais para si do que para ela, e
apercebendo-se de que Lua não o seguia, parou.
- Ó
perdoe-me! Estou tão atrapalhado. Nem me apresentei. Sou o João, o cunhado do Dr.
Mendes, e já devia estar aqui quando chegou. -Avançou para ela e estendeu-lhe a
mão. – Mas o raio do carro avariou, e a Cência, está sempre a chatear-me para o
vender, mas eu gosto tanto dele…Agora vou ter de ouvir. E ainda por cima fiquei
sem bateria no raio do “espalha vozes”!!! - Fez uma cara de menino travesso que
desbloqueou o embaraço da situação e fez Lua sorrir.
- Não faz
mal! – Respondeu retribuindo-lhe o cumprimento. – Já passou. Se quiser eu digo
que fui eu que me atrasei…
- Sério?
Faria isso por mim?
Lua
acenou afirmativamente com a cabeça.
- Obrigado,
mas não merece a pena, a Cência tem um radar para as minhas mentiras, nunca a
consigo enganar… - Fez novamente a cara de cachorro abandonado, e rindo com Lua
iniciaram o caminho para casa.
A Sra. Vicência não era nada como Lua a
tinha imaginado.
De
cara redonda, emoldurada por uns caracóis brancos, tinha uns olhos azuis que
pareciam dois faróis de tão vivos e iluminados que eram. A boca era pequena, mas tornava-se imprevisivelmente
grande quando sorria mostrando uns dentes bem alinhados, como se saídos de um anúncio
a um dentífrico da moda.
Com os braços abertos recebeu-a em sua casa
e tratou-a como se fosse sua filha. A filha que ela nunca teve, para grande
desgosto seu. Mas não se pense que ela era uma pessoa amarga por isso. A vida
favoreceu-a dando-lhe um filho, um filho que há muito saíra de casa. Estava em França,
disse-lhe ao jantar.
Lua
sorriu, e de repente sentiu uma dor no peito. Que saudades tinha da mãe e da
irmã…
A princípio a cidade parece-lhe uma coisa de
loucos. Carros e pessoas a andarem apressados de um lado para o outro como se
não houvesse amanhã e tivessem de fazer tudo hoje e agora.
As árvores substituídas por prédios e a terra
por alcatrão, contrastavam com os montes e vales verdejantes e acusavam a falta
do mar, e da sua brisa a maresia. Já os animais, poucos, andavam presos por
trelas cheirando as ruas à procura da natureza que se mostrava escondida.
Fazia-lhe confusão as pessoas não se
conhecerem e as que se conheciam não serem amigas. Isto está, verificou ao fim
de alguns meses e à custa de experiências próprias, mas disso falarei mais tarde,
agora gostava de contar como conheceu o marido.
Havia já uns meses que estava na capital, e
as dificuldades que a princípio pareciam muitas e impossíveis de ultrapassar
estavam agora se não totalmente ultrapassadas, pelo menos bem encaminhadas.
Tinha conseguido entrar para a escola de
enfermagem como bolseira, e tinha encontrado um part time no cafezinho da
esquina que lhe permitia ter alguns trocos depois de colaborar nas despesas da
casa e de enviar algum dinheiro para a irmã. As aulas eram difíceis de seguir,
mas ela era esforçada e inteligente e determinada, muito determinada, pelo que
embora não tirasse notas brilhantes, tirava as suficientes para passar às
cadeiras com uma margem de segurança que lhe garantia a bolsa. O Dr. Mendes
mesmo à distância ia-lhe dando algumas ajudas.
Lua
não se podia queixar. Mas e embora não se queixasse de facto, a verdade é que
se sentia inquieta, angustiada, ansiosa. Não sabia explicar porquê, mas a
verdade é que o sentia.
Seria
do tempo que se avizinhava?
O natal estava a aproximar-se e Lua
sentia-se apreensiva. Era o primeiro sem a mãe e sem a avó, e a vontade de o
celebrar não era nenhuma. Embora estivesse a morrer de saudades, não queria
regressar à ilha e ter de rever a casa e enfrentar o pai. Mas tinha a Maria, e
a Maria precisava dela e ela precisava da Maria, e por muito que se falassem e
se vissem pelas redes sociais, a coisa não era a mesma.
Há
coisas insubstituíveis, como os abraços e as confidências à noite no quarto com
a lua por companhia e guardadora dos segredos de ambas.
A Sra. Vicência era uma querida e queria que
ela trouxesse a irmã e o pai para passarem ali todos juntos, mas Lua não
admitia a mais pequena hipótese de isso vir a acontecer. Trazer o pai de novo
para a sua vida?! Jamais!
Combinou
então que aproveitaria as férias escolares para ir à ilha no natal e que traria
a irmã para passar o ano novo. Maria regressaria depois com o Dr. Mendes e a
mulher que viriam a casa da irmã para passarem as festividades.
Com tudo
combinado e tratado, Lua foi buscar a mala para a viagem. Quando a abriu viu lá
dentro o diário da mãe que tinha ficado esquecido no fundo da mala e da
memória.
Pegou
nele e rodou-o entre as mãos sem se atrever a abri-lo. A última sensação que
teve aquando da sua leitura, voltou-lhe em cheio provocando-lhe uma náusea. Não
tinha o direito de invadir a privacidade dela. – Pensou.
Decidiu
que iria levá-lo de volta ao lugar de onde tinha sido tirado e colocou-o desta
vez na bolsa de mão e começou a arrumar as coisas.
No dia
seguinte, de manhã cedinho, despediu-se da Sra. Vicência e do Sr. João e apanhou
um táxi (o carro do Sr. João tinha avariado mais uma vez) para o aeroporto.
Levava consigo uma mala pequena e um saco com alguns presentes para a irmã e
para alguns amigos.
Para o
pai não levava nada. Não lhe apetecera pensar nele naquela quadra. Ele não o
merecia.
Estava
no cais de embarque, à espera que a porta para o embarque abrisse, e sem nada
melhor que fazer para acalmar a agitação que tinha no peito, resolveu ir dar
uma volta pelas lojas que por ali havia. Foi quando viu uma pequenina agarrada
aos braços do pai, que feliz lhe dava beijos pela prenda que ela lhe tinha
oferecido. Sentindo algo estranho por dentro, e num impulso, entrou na loja e
comprou uma lembrança para o pai. Talvez ele pudesse ser como aquele pai.
Talvez tivesse mudado…
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