Lua 8
21 de Dezembro
Não
sei o que me deu para te escrever. Nem sei porque o estou a fazer aqui, no
caderno da minha mãe, mas de repente
senti uma vontade enorme de falar com ela, e…
Sim eu
sei que é estúpido , e que ao estar a escrever-te não estou a falar com ela,
mas ela elegeu-te para os seus desabafos. Ela confiou em ti, e eu também
preciso de confiar em alguém! Então porque não em ti? Guardaste-lhe bem os seus segredos, também podes guardar os meus
não podes?
Não li o que ela escreveu. Nem vou ler. Não me
quero intrometer entre vocês, mas vou contar-te a ti e talvez ela o oiça…Não
sei…Tenho de acreditar em algo, não é verdade?
21 de Dezembro (já no avião)
Agora
estou mais calma, e ao ler o que escrevi em cima vejo que não faz nenhum
sentido. Vejo que devo estar a ficar louca, mas queres saber mais? Não me importo. Isto é
entre tu, mim e ela. Não tem de fazer sentido…
Ao meu
lado vai sentado um rapaz que está farto de olhar para mim. Já tentou meter
conversa, e até parece simpático, mas não quero nada com ele. Nem com ele, nem
com nenhum outro. Quero acabar o curso. Não quero acabar como tu, mãe. Se bem
que ele é engraçado.
23 de Dezembro
A
Maria está mais magra. Também deu um pulo, se calhar é por isso que parece mais
magra, mas acho que não. Tenho de ver o que se está a passar. Porém está feliz,
arranjou um namoradito. O filho do Ti Álvaro. Parece ser bom moço, mas ainda
namoram às escondidas.
Ele
parece mais calmo, mas eu não confio. A Maria fecha-se um bocado quando lhe
pergunto como é que ele tem estado, e disfarça. Eu finjo que não percebo. Não
lhe quero estragar mais o natal, mas depois das festas tenho de falar com ela a
sério. Tenho de perceber bem o que se passa.
Hoje de manhã encontrei o moço do avião na
loja da Ti Aninhas. Ele há coisas…
24 de Dezembro
Custou-me
tanto enfeitar a árvore de natal! Pegar nas bolas e nas fitas, cada uma delas
têm uma estória de como veio parar a casa. Todos os anos comprávamos uma nova
ou fazíamos uma, quando não tínhamos dinheiro para comprar, e acrescentávamos
ao leque. Uma bola por cada uma e uma bola por cada ano. Ele nunca
entrou nas contas.
Este
ano é o primeiro em que nem as compramos
nem as fazemos.
Custou-me
também a alegria da Maria ao enfeitar a árvore e a casa. Parece que não tem
saudades!!!
Felizmente
ele tem passado estes dias fora de casa, enfiado na taberna, e depois de um “Olá, estás com bom ar" dito de raspão aquando
da minha chegada, (minha chegada e sua saída), quase não trocámos mais
palavras.
Pergunto-me:
- como
vai ser logo à noite? Virá a horas da ceia, ou perder-se-á pelos quintais?
A
aldeia continua na mesma. Eu sei que só me afastei uns meses, mas esperava que isto
estivesse diferente, mais evoluído...
Tornei
a ver o Fernando, (é assim que se chama o rapaz do avião) encontrei-o na praia
a ajudar a recolher as redes do avô. É neto do Chico da venda, aquele que fugiu
com a mãe para a capital. Não admira que não o conhecesse, vi-o quando era
canalha e depois nunca mais lhe pus os olhos em cima….
Está
crescido, e com um corpo bem musculado. Hoje em calções deu para ver isso. Quando
me viu, acenou-me e sem querer largou a
rede, deixando fugir alguns peixes. O Ti Chico ficou possesso, mas ele encolheu
os ombros e sorriu-me…Tem um sorriso tão lindo…
Vamos
ver como ocorre a noite de hoje. Vou fazer bacalhau com natas, o prato favorito
da Maria logo a seguir às almondegas está claro!
26 de Dezembro
Ufa! Já
passou! Bem para ser sincera não foi assim tão mau. Ele apareceu a horas
e sóbrio, e até trazia uma sobremesa que
encomendou a alguém. O jantar correu de uma forma civilizada e contida, mas
pelo menos não houve discussões. Depois
do jantar, fomos até ao alpendre beber o café e comer um pedaço do bolo que ele
trouxe. Era tarte de maçã . Estava deliciosa.
A
Maria levantou-se quando a conversa de circunstância acabou e o silêncio começou
a querer entrar, e foi para dentro de casa.
Tremi
toda.
Não
queria falar com ele. Não sabia o que lhe
dizer e tinha medo do que ele me dissesse.
Felizmente
ela voltou rápido, com um saco com os
presentes em cada mão, e imitando a mãe, distribui-os pelos 3.
Eu não
mexi nos meus, e ele também não, pelo que, mais uma vez, foi a Maria
quem tomou a dianteira.
Ficou
contente com os presentes que recebeu, gostou muito das calças e dos sapatos
que lhe dei, gostou do relógio que ele lhe deu, mas o presente com o
qual ela delirou, foi uma pulseira, em
ouro que o Miguel, o namoradito lhe oferecera. Aí os seus olhos iluminaram a escuridão e competiram
com a lua que nessa noite estava escondida, ou envergonhada ou triste
- Abre
os teus! - disse-lhe quando acabou de desembrulhar os seus. - -E tu os teus ! –
ordenou me bem disposta.
Esperei
que ele abrisse os seus antes de abrir os meus. Na verdade, os presentes não me
importavam, não estava com o espírito da época e confesso que me custou um bocado
vê-los tão alegres.
Mas
enfim, se calhar sou que estou errada. Afinal, todos dizem que a vida é para
continuar...
Depois
dos presentes abertos e de uma bebida
quente junto ao fogão da cozinha, disse que me ia deitar, mas em vez disso, saltei
pela janela do quarto, como fazia quando era pequena e fui até à praia ver a
lua.
A lua
lá é maior, consigo ver os seus montes e imaginar-me a caminhar entre eles!
Geralmente
deixava a imaginação e o sonho correrem de mãos dadas e ia atrás deles sempre
com o piloto atrás, mas hoje não era o piloto que me acompanhava, era um rapaz.
Não lhe vi a cara, mas vi-lhe o cabelo negro, revolto e os ombros largos.
Não
sei dizer porquê, mas aquilo incomodou-me e eu levantei-me e fui-me deitar. Já
chegava de sentimentos por aqueles dias !!!
28 de Dezembro
Estou
irritada!! Estou muito irritada. Estou aqui no aeroporto e a parva da minha
irmã não quis vir comigo. Com o bilhete comprado e tudo!!!
Não
queria deixar o seu namoradinho!!! Nem a ele, que pelos visto se
arrependeu e se tornou num bom pai.
Pf!
Acredito mesmo…
Raios
a partam!!! Raios os partam!!!
A
partir de hoje vou só pensar em mim.
2 de Janeiro
Nem
acreditas no que te vou contar. Sabes com quem passei o dia de ontem? Com o Fernando,
imagina!
Estava
como eu, no aeroporto, e enquanto a avião não vinha meteu conversa comigo.
A princípio
não me apetecia dar-lhe troco, mas depois lá comecei a falar, e até o achei simpático.
Ele
mora aqui ao pé. Mora com a mãe e com a irmã porque o pai morreu era ele pequeno.
Está na marinha e quer seguir a carreira de oficial. Eu disse- lhe que estava aqui
há pouco tempo e que não conhecia quase ninguém e ele prontificou-se a
apresentar me aos seus amigos. Muito
fixe, não é?!
20 de Janeiro
- Mãe!
Nem acreditas no que me aconteceu. O Fernando beijou-me!!! Foi tão bom.
Ele
fez-me uma surpresa!!!
Quando
saí da faculdade, ele estava lá à minha espera, e depois levou-me a Sintra.
Sintra
é tão liiiinda!!!
Haverias
de adorar lá ir. Levou-me ao castelo dos mouros e entre duas ameias, enquanto
eu espreitava as vistas, ele abraçou-me por trás e beijou-me o pescoço.
Assustada,
virei-me muito de repente e dei-lhe um murro no sítio!!! Aleijei-o, coitado.
Depois
baixou-se meio a rir, meio a queixar-se, e eu atrapalhada, abaixei me também
para o ajudar e foi então que aconteceu…
Aiiii!!!
Senti-
me toda a estremecer por dentro.
Queria gritar ao mundo o quanto estava
feliz, mas em vez disso, virei-me atrapalhada, e então, ele muito gentilmente tornou
a virar-me e segurando me no rosto, olhando-me bem dentro dos olhos
perguntou-me se eu queria ser a sua ilha, o seu farol, a sua âncora, ali, no
continente….
E eu disse que sim com a cabeça e ele
tornou a beijar-me e a beijar-me até que apareceram umas turistas…
E ainda bem que apareceram se não…
Lua começou um namoro com Fernando que
fazia inveja a muitos escritores de romances.
A mãe e a irmã dele tinham-se mudado para
a ilha, a irmã de Lua estava quase casada, sendo menos uma preocupação para
ela, pelo que viviam um para o outro, ajudavam-se um ao outro e tudo corria bem.
Como nos filmes.
Namoravam à cerca de um ano, quando Fernando
recebeu uma notícia muito desagradável.
Tinha sido destacado para uma comissão de 3 anos nos
Açores.
- 3 anos?! – Lua não queria acreditar. –
Eu vou morrer sem ti. Não podes recusar?
As árvores e o vento faziam coro com a sua aflição naquela tarde
de fim de outono.
- Não… - Estava tão desconsolado como ela.
- Acredita que já fui falar com o
comandante, mas ele está inflexível. – Mas podes ir comigo…- Tentava arranjar
uma solução.
- Ir contigo? Como? Ainda me falta um ano
e meio para acabar o curso. Até lá não posso sair daqui…
- Podias deixar o curso. Lá teremos casa
paga e com o meu salário poderemos viver os dois.
- Deixar o curso? Sabes bem que não posso…
Frustrado, deu um pontapé numa árvore para
descarregar o que sentia.
Lua viu e não gostou, mas optou por não
dizer nada. Naquele momento o seu foco era a separação.
- Como vamos fazer? – Perguntou ela mais para o vento do que para ele.
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