Lua 6
Lua
Era tarde. Resolvi ir-me deitar. No dia seguinte partiria rumo a
uma nova vida, e não tinha a certeza se ler o resto do diário seria bom ou não.
A minha irmã tinha-me posto a pensar. Despedi-me dela, levantei-me e olhei para
a lua, perguntando-me se também teria de me despedir dela, ou se ela me
acompanharia para onde quer que eu fosse. Resolvi acreditar, pelo que lhe disse
só um até amanhã, e fui para dentro…
Junto a Lua, no aeroporto, apenas estava a irmã e o Dr. Mendes. Os
outros já se tinham despedido no bairro e o pai ficara em casa, acompanhado de
uma bebida, deixando dúvidas a quem o olhasse se teria a noção de que a filha
iria partir.
Talvez tivesse. Talvez por isso se escondesse dentro do copo, no
fundo da garrafa…
- Lua, mana, promete que me vens ver assim que estiveres bem?
- Mais do que isso. Venho buscar-te! – afirmou cheia de certezas.
- Lua, à tua espera vão estar a minha irmã e o meu cunhado. São
gente boa, já te disse, por isso vai tranquila e não te esqueças de ligares
assim que aterrares.
- Claro. - Lua sorriu. – Estou de volta antes de vocês sentirem a
minha falta.
Com um beijo e um abraço sentido despediu-se e virando as costas,
para que não lhe vissem o rosto, partiu em direção ao avião. Com medo, mas
confiante. Ela não era o pai. Ela voltaria em breve.
Já sentada dentro do avião, e com o diário da mãe dentro da mala,
fazia um esforço para não o ler.
- Esta é uma nova etapa. – dizia para si. – Tens de partir livre.
Mas as palavras que ali estavam agitavam-se. Faziam barulho,
moviam-se, queriam ser ouvidas, pelo que ao mesmo tempo que o aparelho levantou
voo, elas saíram das páginas, voando em direção à Lua.
1 de Março
Já passaram quase seis meses, e a vida continua
calma. Já nem me lembrava de ti, não fosse dar uma volta à roupa e ter-te
encontrado, escondido entre duas fronhas.
Já tinhas saudades minhas?
Pois é. Não te tenho dito nada, porque não há nada
para contar. Fui na semana passada ao médico e tudo está normal. A Lua está a
crescer a olhos vistos, cada vez mais independente e madura. Não parece ter a
idade que tem, e isso assusta-me. Já a Maria… A Maria é o meu passarinho.
Sempre feliz e contente. Não pergunta pelo pai como a Lua, não se zanga com
injustiças como a irmã que adora. Anda sempre atrás dela. Parece a sua sombra.
O Ramiro continua a ser o “homem” cá de casa, mas
anda adoentado. Acho que ele devia de parar com as viagens. Especialmente no
inverno. Não gosto do som daquela tosse.
Tenho de lho dizer.
18 de Maio
Nem sabes o que me aconteceu. Ele apareceu. Assim.
Vindo do nada. Eu estava a lavar umas peças de roupa e oiço a voz dele:
- Lália…
O meu coração parou. Juro que parou. Por uns
momentos pensei que era desta que ia.
Já sei o que vais dizer. É o que todos dizem. Que
sou uma parva. Que não o devia ter recebido. A minha mãe diz que é a inveja a
falar. Talvez seja. Não sei, só sei que quando ele me olha daquela maneira,
quando ele me toca, quando ele me beija… Toda eu estremeço, toda eu grito. Há
tanto tempo que não sentia isto.
Sabes quando estamos juntos somos um só. A pele
dele e a minha fundem-se, os nossos cheiros formam um novo perfume, os nossos
corpos conhecem-se tão bem…
Aqui Lua parou de ler e fechou o livro com força. Não foi capaz de
continuar. Agora percebia o que a irmã dizia quando se referia à privacidade. Não
tinha o direito de a invadir.
Decidiu arrumar o diário num canto da mala e ajudada pela chegada
ao destino depressa o esqueceu.
- Como será que eles são? – Pensava enquanto carregava a mala de
porão pelos corredores fora. – Será que são boas pessoas ? O dr. diz que sim,
mas para ele são todos bons. Espero que sejam simpáticos pelo menos.
- Bem, boas pessoas têm de ser
se não, não me acolhiam – Continuava a dialogar consigo
própria. – E, a avaliar pela foto, a Sra. Tem um ar bem divertido.
Trim trim- Toca o telefone
- Bolas! Esqueci me de ligar. – Resmungou para o ar. – Agora também
não posso falar. – Continuou a falar em voz alta para o aparelho que teimava em
tocar.
- Mamã! , Mamã! – ouviu uma voz pequenita ao seu lado. – Esta
senhora está a falar para o telefone, e tem uma voz estranha!!!- o pequenito ria-se
divertido.
- Filipe!- ralhou-lhe a mãe.
- Oh! Deixe estar!- Lua comentou divertida. – É verdade que nós temos
um sotaque diferente, e na verdade eu estava a falar com um aparelho. – fez uma
cara cómica e o riso de todos serviu-lhe para diminuir um pouco a ansiedade.
Foram a tagarelar o resto do caminho, e quando se despediram, Lua
sentiu-se apreensiva.
- Tanta gente! – Pensou ao olhar para o mar de rostos uns alegres,
outros tristes que se abraçavam entre si.
Parou, sentindo-se um perdida olhou em volta à procura dos rostos
que a memória lhe trazia. Não via nenhum deles. Ninguém procurava por ela e ela
não se dirigia a ninguém.
Um frio na boca do estômago começou a arrefecer-lhe os ânimos. Seria que se tinham esquecido dela?
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