Carmo 2
- Não te esqueças de trazer a revista, por favor…
- A revista? – Mauro resmungava enquanto vestia as calças por cima
de uns shorts cinzentos, justos.
Dos seus cabelos ainda molhados, caiam uns pingos de água que
desenhavam, nas costas, um convite a um abraço envolvido em beijos e carícias.
Carmo mal conseguia resistir, mas tinha de ser forte. Já estava a
prolongar isto há demasiado tempo. Tinha de ser hoje.
A revista era um subterfugio para que ele demorasse mais tempo e
ela pudesse usar esse tempo para se preparar, para preparar o discurso.
- Carmo Maria! Porque é que tens de ser tão fraca?! – Resmungava
com uma cara cómica encostada à porta que tinha acabado de fechar.
Mauro tinha saído.
- Porquê? Porque é que não fazes como eles? – Continuava. - Para eles
é tão simples acabar connosco… Caramba, com a idade que tens, com tantos que já
acabaste e ainda não aprendeste? Parece que é sempre a primeira vez que o vais
fazer? Mulher, atina-te!
Falava, sem se dar conta em voz alta, ainda encostada à porta que, entretanto,
estremeceu.
- Tum, tum, tum.
Carmo deu um salto, e abriu a porta.
- O que é que te esqueceste desta vez?! – Perguntou ao mesmo tempo
que a abria.
- Dona Maria! – Disse logo de seguida. – Bom dia! Está boa? Não me
diga que o rato fugiu outra vez…
- Bom dia! Não. – Respondeu dona Maria à medida que mais uma vez
entrava pela porta dentro. – Desta vez venho tomar um café consigo.
Disse-lhe isto e mostrou-lhe um tabuleiro com um bule a fumegar, e
um prato com um bolo de laranja.
- Não trouxe as chávenas porque pesavam muito. – Justificou-se
enquanto poisava o tabuleiro na mesa da cozinha.
- E sei que está sozinha pois vi o “marmanjo” sair. Francamente
menina, sei que não +é da minha conta, mas podia arranjar um noivo melhor. –
Opinou enquanto abria os armários para tirar as chávenas.
Carmo que, entretanto, a seguira, escutava-a e observava-a
divertida encostada à porta da cozinha.
- Então? Não se senta?
Carmo sorriu e sentou-se. O que andaria ela a tramar desta vez?
- Hum! Está muito bom. – Elogiou o bolo com a boca cheia dele.
- Menina, não se fala com a boca cheia! – Reprendeu-a a velha
senhora. – Os seus pais não lhe ensinaram isso? – Continuou enquanto servia o
café.
- Não. Isso não. – Respondeu divertida e continuando com a boca
cheia para a provocar.
- Os meus pais muito pouco ou nada me ensinaram…- Pensou, afastando
de imediato esse pensamento com um gole de café.
Tinha à muito decidido que os seus pais eram coisa do passado e que
os deveria deixar onde eles se sentiam bem. Na terra, junto com os outros
irmãos de quem gostavam tanto.
Ela não precisava deles para nada. Nem deles nem de ninguém.
- Mas, então. – Perguntou à vizinha já de boca vazia. Sabia que era
melhor não a provocar muito. - Não veio aqui só para o café, pois não?
Conhecia a senhora desde que viera para Coimbra. Muito pouco podiam
esconder uma da outra.
- Como assim? – Fez um ar de quem não estava a perceber onde Carmo
queria chegar.
- Ó! Vá lá não se faça de desentendida. Esperou que o Mauro saísse
para vir. Diga lá. O que se passa?
- Ah! É Mauro o nome deste? – Mas uma vez fez um ar de
despercebida.
Carmo não respondeu e questionou-a divertida com o olhar.
Nada. A dona Maria continuava sem responder falando de um assunto
que nada tinha a ver com o que queria na realidade falar. Carmo jogou uma
última cartada.
- Olhe que ele não deve demorar. Foi só buscar o pão e uma revista.
A dona Maria quase se engasgou. Pensava que, como das outras vezes,
ele tinha passado só a noite.
- Então? Tome. Beba um pouco de água. – Carmo levantou-se e foi
buscar um pouco de água.
- Obrigada. – Agradeceu a senhora depois de bebericar um pouco.
- Bom vamos lá. – Disse como se tivesse decidido enfrentar o “touro
pelos cornos”.
- Agora sim! – Pensou Carmo. – Esta é a Maria que eu conheço.
- A menina sabe que eu não gosto de me meter na vida dos outros.
Carmo assentiu com a cabeça incentivando-a a continuar, embora
soubesse de não era nada assim. De todo.
- E também sabe que apesar da minha idade, eu até tenho uma mente
muito aberta e pouco me importa com que os outros dizem.
Carmo assentiu mais uma vez. Isso não era totalmente mentira.
- Mas, há uma coisa que me tem intrigado e preocupado.
- O quê? – Perguntou finalmente Carmo.
- Este corrupio de noivos que a menina tem. A cada mês é um diferente.
Cada um mais…Como é que eu hei-de dizer? Não são homens! São, são gaiatos. E
além do mais as pessoas começam a falar…
Carmo desta vez estava estupefacta.
- Ó dona Maria, nem sei o que lhe dizer. – Estava a ser sincera.
- Não diga nada. Pense só no que eu lhe disse. A menina não vai
para nova, e está na altura de arranjar um homem que cuide de si.
Aqui Carmo fez uma cara que ilustrava bem o que sentia.
- Ou então fique sozinha. – Apressou-se a corrigir. – Mas não ande
com gaiatos. Eu sei que eles são…fisicamente… interessantes… Mas caramba! A
menina já merece um homem a seu lado.
Carmo não sabia se havia de rir, se havia de chorar. Sem querer, ou
por querer, ela tinha tocado na “mouche”, parecia que lhe lera os pensamentos
de há umas semanas para cá. Mas o facto de se ter posto com a cara vermelha ao
definir os seus “noivos” como fisicamente interessantes, deu-lhe uma vontade de
rir que só a muito custo continha.
Foi salva pelo gongo, que é como quem diz, pela campainha. Mauro
acabava de chegar.
Dona Maria levantou-se muito rapidamente, mais rapidamente do que a
sua idade fazia supor conseguir e Carmo foi abrir a porta.
- Olá! Bom dia. – Mauro cumprimentou a dona Maria que já ia no
corredor a caminho da porta.
- Bom dia jovem. – Respondeu ela endireitando-se toda. – Estava já
de saída. Não vos interrompo.
- Ora, não interrompe nada. Não quer tomar um café connosco? Trouxe
pão acabado de cozer.
Levantou o saco para lhe dar a cheirar, aproximando-se dela para o
efeito. Os músculos já por si salientes por baixo da t-shirt, notaram-se ainda
mais com o gesto. A dona Maria pôs-se novamente vermelha e Carmo não resistiu.
Começou a rir, dando gargalhadas sem parar. Mauro olhava-a sem
perceber. A dona Maria, percebendo-a bem, despediu-se à pressa.
- Tenho uma coisa ao lume. Tenho mesmo de ir. Muito prazer. –
Baixou a cabeça num cumprimento aos dois e saiu porta fora.
- Podes explicar-me o que acabou de acontecer aqui? – Mauro
questionava-a ainda com as compras na mão.
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