O Destino 5

 

- Então, o que disse o médico? - Perguntou Alice a Lurdes enquanto bebia o café na esplanada do "Estrela".

Como vista enquanto se saboreava um café, um sumo, uma cerveja, ou o que mais agradasse a quem se sentava naquelas mesas, e por detrás das casas, admiravam-se ao longe as montanhas que tocavam no céu e falavam com os deuses, e no cimo de uma delas avistavam-se as ruínas do castelo, o lugar favorito de Alice.

Ali, no seu refúgio, ela encontrava a paz.

Ali ela encontrava as suas aventuras.

Ali, partia em viagens, conhecia novos lugares, novas pessoas, novas vidas.

Ali, era livre.

Ali, era feliz.

- Disse que era normal da idade... – Lurdes arrancou-a dos seus devaneios.

- Ele sabe lá. A minha mãe estava rija como um pero antes daquela lá se meter em casa. E ainda disse que tem um quarto para mim. É preciso ter lata. Tenho ganas de a estrangular. Só fez porcaria desde que para aqui veio. – Bateu com a mão na mesa como desabafo pela raiva que sentia.

As pessoas em redor olharam para elas e começaram a cochichar.

- Calma. Então que é lá isso? - Alice olhava para ela divertida. - Já te esqueceste de quando a achavas o modelo ideal de mulher?

- Isso era antes...- Lurdes respondeu furiosa.

E, olhando para as mesas vizinhas, colocou uma expressão que dizia: não-se-metam-na-minha-vida-gente-cusca.

 - Antes do quê? – Alice estava divertida.

- Antes de ela se enfiar lá em casa, toda delicodoces, chazinho para aqui, gotinhas para acolá…Irra. Ainda bem que se foi embora! Mais um dia e era eu quem saia.

 - Olha que tal irmos à vila amanhã às compras? – Convidou-a Alice mudando de tema. - Estamos as duas a precisar de desanuviar…

- Ó sim! Por favor. – Respondeu num tom dramático. – Vamos comprar roupa para vestirmos nesta santa terrinha, para os… - Abriu os braços indicando as pessoas que estavam ali sentadas. – nossos conterrâneos admirarem. – Terminou sarcasticamente.

- Deixa-te disso. Eu visto-me para mim, e tu devias fazer o mesmo. Vá, anda que se faz tarde. Só por esses disparates, pagas tu. Tchau!

Levantou-se e sorriu à amiga e a um outro conhecido que ali estavam, e dirigiu-se para casa.

Enquanto caminhava pensava, na amiga. Era boa pessoa, muito boa mesmo; mas um pouco estouvada. Tinha pena dela. Tinha pena delas, de si e de Lurdes. Mereciam melhor sorte.

 O tempo foi passando e D. Augusta piorava a olhos vistos. Lurdes já não sabia mais o que fazer, e pedia ajuda a Alice, que não sabendo também ajudar, sofria junto com ela. Gostava muito de ambas e custava-lhe não poder fazer mais. A Dona Augusta era como uma segunda mãe para si.

Foi então que chegou o dia fatídico.

A velha senhora, Dona Augusta, acabou por adormecer para sempre, numa tarde de terça-feira.

Lurdes tinha saído.

Deixara-a sentada no sofá da sala, como sempre, com uma manta a cobrir as pernas, a televisão ligada no programa da tarde que a mãe tanto gostava, mas ao qual ultimamente não prestava nenhuma atenção, e o lanche já dado.

Umas torradas e aquele chá que Olinda lhe tinha deixado e que fazia as delícias da mãe.

Quando chegou, chamou por ela. Como não teve resposta foi até à sala, e encontrou-a no chão. Torcida, agarrada à barriga como se tivesse tido uma cólica. A pele estava toda manchada.

Ficou em pânico. Gritou, abanou a mãe, e como ela não respondia, lá ligou para o 112.

Depois ligou para Alice.

Os vizinhos ao ouvirem a gritaria vieram ver o que se passava. Lurdes chorava agarrada à mãe, ninguém a conseguia tirar de lá.

Foi Alice quando chegou que, com a sua calma, devagarinho, abraçando-a, falando baixinho, tentando acalmá-la, tentando o impossível, lá conseguiu.

 A confusão em casa era muita.

Todos tentavam ajudar, uns fazendo-o de facto, outros atrapalhando, mas em todos os casos a intenção era boa.

Chegou, finalmente o 112.

Não havia nada a fazer, a Sra. já estava morta há algumas horas. Tinham, no entanto, de esperar pelo delegado de saúde para passar o atestado de óbito.

Como tinha morrido em casa teria de ir primeiro para o instituto de medicina legal, onde seria feita uma autópsia.

- Uma autópsia?! – Lurdes gritava fora de si. - Para quê? – Perguntava agarrando-se aos colarinhos do enfermeiro.

Achavam que a tinha morto?

 - Não digas disparates. – Acalmava-a Alice. - É o procedimento normal nestes casos.

- Anda, vamos até ao quarto, deitar-te um pouco. Agora não há nada que possas fazer. Bebe este chá. – Pegou no chá que a mãe deixara no bule.

- Lurdes deu um gole e de imediato cuspiu.

- O que raio é isto? - Perguntou.

- O chá que a tua mãe estava a beber... Ainda estava quente, na chaleira.

- Isto é horrível. – Tornou a cuspir. - Como é que ela conseguia beber isto?

- Isso és tu que não estás bem. Vá, deita-te. Eu trato de tudo. Olha, chegou o delegado.

Um homem dos seus 30 anos, de fato, alto e bem composto, entrou pela casa adentro e perguntou pelos familiares ou responsáveis pela vítima.

 Alice aproximou-se. Naquele momento só lá estava a filha, mas finalmente estava a dormir.  Se ele não se importasse, ela poderia tratar do que fosse preciso. Não era família, mas era o mais próximo que havia…

O médico acedeu ao pedido, contrariado, e questionou-a a cerca das manchas da pele, e acerca das dores de barriga que algum vizinho lhe tinha dito serem frequentes ultimamente.

Alice disse-lhe o que sabia, que Lurdes tinha chamado o médico há pouco tempo e que ele não tinha dado importância ao assunto.

- Eram coisas da idade. - Dissera ele.

O delegado nada disse. Não iria dizer mal do colega, mas achava estranho que aquelas manchas associadas a cólicas não lhe tivessem despertado a atenção. Bem, iria levá-la para autópsia e logo veria. Podia ser que estivesse enganado. 



 

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