O Destino 4


          Alice espantou-se com a visita. Colocou o xaile pelos ombros, abriu a porta e desceu. Não a queria lá em casa.

- Vamos caminhar pelas ruas. – Desculpou-se.  - Está uma noite muito quente para se estar em casa.

Desceram pela rua, caminhando languidamente pelas pedras centenares. Os vasos floridos que ladeavam as portas emprestavam à aldeia um ar de postal. Porém nenhuma das duas parecia dar por isso. Retidas pelos seus pensamentos, caminhavam caladas. 

Chegara, sem darem por isso ao largo do coreto. Os bancos que o rodeavam estavam ocupados por gente que tal como elas queriam apanhar o fresco da noite.

O café do sr. Armindo, com o nome glorioso de "Estrela da Manhã" estava cheio. Nas mesas cá fora, os homens jogavam às cartas. A canalha brincava, uns na rua, outros no coreto.

Estava uma noite animada.

Alice e Olinda pararam. Olharam em volta à procura de um banco livre. Como não havia nenhum, resolveram esperar um pouco, falando de banalidades até que alguém se levantou. Parecia que adivinhara.

Sentaram-se e por uns instantes cada uma sentiu a sensação familiar e agradável de tardes e noites ali passadas a conversarem despreocupadamente. Que saudades tinham desse tempo.

- Então? - Começou Alice. - O que tens de tão importante para me dizer?

Olinda colocou um ar de falso constrangimento.

- É sobre a Lurdes e a mãe dela. – Falou num tom de voz preocupado.

- Sim? O que têm? – Perguntou desconfiada e já a sentir “os calores” a subirem por si acima. Não lhe apetecia falar daquilo.

Olinda fez uma pausa dramática, para dar mais credibilidade ao assunto.

- Sabes, não sei se já reparaste, mas a Lurdes anda estranha. diferente...

- Diferente, como? - Alice não estava a gostar do rumo da conversa e demonstrava-o no tom de voz com que respondia.

Olinda, se reparou, não o demostrou e continuou.

- Diferente. Distante. Não liga nada a ninguém...

Alice interrogou-a com os olhos. Não estava a perceber onde Olinda queria chegar. Ela então explicou-lhe.

Com um ar muito consternado foi-lhe contando da sua preocupação. Queixou-se de que Lurdes estava fria, distante, já não queria sair com ela, estava sempre com desculpas e quando falava já não era do mesmo modo. Mas isso era o menos. O que a preocupava, o que a preocupava verdadeiramente, era a mãe de Lurdes.

Alice continuava calada. Queria perceber onde é que ela queria chegar. Assim, Olinda continuou.

Não era só ela que notava isso, a pobre senhora também se queixava da frieza e do afastamento de Lurdes. Dizia que a tratava mal, não lhe ligava e que ultimamente não se andava a sentir bem. Tinha muitas dores e palpitações. Já se tinha queixado à filha, mas esta ignorou-a.

Ela, Olinda, fazia o que podia para a ajudar, mas as suas férias estavam quase a acabar e ela estava preocupada. Tinha de se ir embora daí a 2 dias…

- E o que queres que eu faça? - Perguntou-lhe Alice já farta da conversa.

Olinda virou-se no banco e poisou-lhe a mão em cima da mão dela. Alice retirou a sua.

- Alice, sei que és amiga dela. Fala com ela, chama-a à razão. Ela que olhe pela mãe...

Alice olhou para ela incrédula. Tanta preocupação. Tanto cinismo. Teve vontade de a desancar ali, mas conteve-se e ao invés disso respondeu-lhe:

- Tudo bem. Assim irei fazer. Não te preocupes.

Olinda agradeceu e intimamente sorriu. Fizera a sua parte. Tudo corria como planeara. Cavaquearam mais um pouco e foram-se embora. A noite já ia adiantada.

No outro dia, Alice foi ter com Lurdes, e contou-lhe o que se passara.

- Mas ela está parva? - Lurdes estava indignada. -  A minha mãe???? - Ela é que não sai lá de casa, até parece que a embruxou...

- E desde quando é que eu não a trato?! – Levantava as mãos para o ar num gesto que acompanhava a indignação. – E a minha mãe a queixar-se de mim? E ainda mais para ela? Só estiver algum burro para cair do céu! Eu já lhe digo.

- O que vais fazer? – Perguntou-lhe a amiga.

- O que vou fazer? O que achas? Vou ensiná-la a não se meter na vida dos outros e a não ser mentirosa. – Respondeu dirigindo-se para a porta.

Alice seguiu-a.

- Calma … - Pôs-lhe a mão nas costas, gentil, mas firmemente. - Eu sei que é ela só a pôr veneno. Mas já se vai embora daqui a dois dias, por isso deixa estar. Não vale a pena fazeres nada…Eu só queria que estivesses atenta.

Lurdes respirou fundo. A verdade é que a mãe não se andava a sentir bem. Ela já a quisera levar ao médico ou chamar o médico lá a casa, mas a mãe era teimosa como a mula do "Ti Joaquim" e não queria sequer pensar em semelhante coisa. Não se queixava de palpitações e dores como a outra dizia, mas de facto estava mais abatida, com náuseas e com sede, muita sede. Não sabia o que fazer.

- Ela já está quase a ir-se embora. Vais ver que tudo vai voltar ao normal - Animara-a Alice.

Lurdes agarrou-se a estas palavras como a uma tábua de salvação.

O dia da partida chegou. Olinda despediu-se das 3 com muito aparato, apregoando que ia cheia de saudades delas, que tinham sido impagáveis, especialmente Lurdes que a ampara nos primeiros dias depois do enterro.

Por isso, deixava-lhe a sua morada em Viseu para a ir visitar sempre que quisesse. Teria sempre um quartinho à sua espera, e esperava que fosse em breve.

- É claro que o convite se estende a todas - Apressou-se a dizer quando reparou no silêncio de Lurdes.

A vida retornou então à normalidade, ou melhor quase à normalidade porque D. Augusta estava a piorar cada vez mais. Até na pele lhe tinham aparecido algumas coisas. Lurdes, não quis saber da sua teimosia e mandou chamar o médico.





 

 

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