O destino 2
O tempo foi passando e aquela ideia disparatada de Lurdes não saía das cabeças de ambas. No entanto, nenhuma tinha coragem para voltar a falar no assunto. Era demasiado para a formação que tinham recebido de seus pais. Alice, cada vez que esta ideia lhe vinha à cabeça, rezava um Pai Nosso e uma Avé Maria, pedindo a Deus que lhe perdoasse estes maus pensamentos. De vez em quando pedia-Lhe também que a ajudasse a sair da situação em que se encontrava. Não com a morte da mãe, claro está, mas com algum milagre… E aproveitava ainda a conversa para Lhe pedir para pôr juizona cabeça de Lurdes, não fosse ela fazer algum disparate…
Alice andava triste. Os
encontros entre ela e a Lurdes foram-se espaçando, pois desde que Olinda chegara
com os seus modos chiques que Lurdes não a largava, e já não tinha tempo para estar
com ela.
Eram desculpas atrás
de desculpas!
Tinha sempre algo de
muito importante a fazer com Olinda, algo que não podia esperar, mas que não se
apoquentasse, que ela seria sempre a sua melhor amiga. – Dizia-lhe com o olhar
franco e Alice acreditava.
Estava só a ajudar
Olinda que tinha regressado por um motivo triste e precisava de um ombro amigo.
Para a semana, ela que descansasse, iriam juntas ao baile da Carriça, a aldeia
do outro lado do rio.
Era “O” “baile da
Rosa”.
Neste baile, a meio
das músicas, os taipais começavam-se a fechar e assistia-se a uma debandada de
homens. Era sinal de que estava prestes a começar a música da rosa. Nesta
música, longa, muito longa, uma rosa circulava pelas mulheres e a mulher a quem
a rosa era confiada, tinha, de imediato, convidar um homem para dançar com ela.
O homem, ou aceitava e
tinha de dar uma quantia em dinheiro, para a comissão de festas, ou recusava, e
era uma vergonha para a mulher cujos movimentos estavam sob o olhar atento de
todos os outros. Com par ou sem ela, ela teria de passar a rosa a outra mulher
e o processo repetia-se. Se tivesse sorte à primeira, dançaria com o seu par
até ele pagar quantia, e depois entregaria a rosa, se não tivesse sorte,
tentaria todos os homens até que algum por pena, ou não, a aceitasse e ela
pudesse então passar o testemunho. Não era fácil para algumas. Muitos
aproveitavam esta oportunidade para fazer um ajuste de contas, muitas recusas
dadas por elas durante o ano, eram ali ajustadas com a humilhação pública.
Alice não queria
sequer pensar em ir sozinha. Eram tantas as recusas que tinha dado que tinha a
certeza de sofrer uma humilhação geral. Por outro lado, também não queria ser apelidada
de cobarde e de fugir “com o rabo à seringa” como se dizia por lá.
Não. A única chance
era ir e evitar o contacto visual com a detentora da rosa e esperar que se
esquecessem dela.
A noite chegou e Alice
foi com a Lurdes ao baile.
Com a Lurdes… e com a
Olinda que se tornara num apêndice de Lurdes, ou vice-versa. Lá se ia a
oportunidade de passar despercebida. Olinda era como um pirilampo a brilhar no
escuro.
A música começou.
A rosa começou a
circular, uns foram aceitando, outros foram fugindo e outros mais destemidos
foram recusando. Passou pelas mãos da Maria, da Adília, da Margarida, que
coitada só à quinta vez é que conseguiu um par e foi com o Manel da Teresa, e
passou pelas mãos de mais algumas até que chegou a vez de Olinda.
Um suspense pairou no
ar.
Quem iria ela
escolher? Será que ele aceitaria? Alice não duvidava que sim.
Quem lhe diria que
não? Ela parecia saída das revistas, com os olhos e os lábios pintados e aquele
vestido, que pouco cobria o corpo, a condizer com os sapatos de saltos altos…
Olinda fez uma pausa
teatral, olhou ao redor, como que a pensar e por fim decidiu-se e dirigiu-se ao
Francisco “malhadas, o gabarola lá da terra.
Olhou-o demoradamente,
avançou lenta e segura para ele, e… entregou-lhe a rosa.
Alice não respirava
com a fúria que sentia. Também ela queria dançar com ele, mas agora já não
podia. Já tinha sido escolhido.
- Tinha de ser! –
Pensou amarga.
Cada vez gostava menos
dela. Primeiro Lurdes, agora o Francisco. Mas que raio!!! Porque é que não
veio, enterrou o pai e foi para de onde nunca deveria ter saído?
Foi então que um
burburinho começou.
Primeiro baixinho,
incrédulo, a medo, depois explodiu numa gargalhada geral e sonora.
Francisco tinha- a
recusado.
Ela já não era da
terra.
Que fosse para de onde
veio e deixasse de pôr ideias estúpidas nas cabeças das raparigas de lá.
Não foi o que ele
disse como motivo de recusa, mas foi o que todos adivinharam.
Olinda ficou parada. Estupefacta.
Demorando algum tempo a processar o que tinha acontecido.
Quando caiu em si, perdeu
o ar afetado, perdeu as estribeiras e gritou, enxovalhou, amaldiçoou a terra e
as gentes, e esquecendo os modos finos, saiu a correr, com lágrimas nos olhos.
O rímel a escorrer-lhe pela cara.
Lurdes foi a correr
atrás dela. Que não ficasse assim. Que eles não mereciam. Ela compreendia-a e
se não fosse pela mãe, partiria hoje mesmo com ela para a cidade.
Olinda estancou. A
mãe?
- Ó mulher, até nem
parece que és de cá. Não sabes que tenho que ficar com a minha mãe até ela
morrer? – Lamuriou-se Lurdes exasperada.
- Mas e a Gracinda?
Não é ela a mais nova? - Olinda retorquiu confusa.
- A Gracinda fugiu há
uns anos com o Manuel da Quinta grande. Fiquei eu. Não posso dar outro desgosto
à minha mãe. Ela ainda morria.
Olinda olhou para ela.
Apenas com os olhos, porque o seu pensamento estava longe.
- Se a mãe dela
morresse, Lurdes ficaria livre para partir, e assim, ela poderia mostrar a
todos de que massa era feita. Iria demonstrar que com ela ninguém gozava! -
Olinda alucinava.
Lurdes assustou-se com
aquele olhar esgazeado.
Embora Olinda não
tivesse pensado em voz alta, parecia que Lurdes adivinhara o que lhe ia na
cabeça, pelo que, se apressou a dizer rapidamente.
- Mas a minha mãe está
muito bem de saúde, e que Deus a conserve assim por muitos anos!!!
Olinda não respondeu…
Já não estava ali.
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