Carmo, 14
A dona Maria levantou-se e tirou-lhe as coisas das mãos,
ordenando-lhe que se sentasse. Sónia ainda argumentou que ela já lhe tinha dado
o lanche, logo não tinha ainda de lavar também e loiça, e a ela, Sónia, não lhe
custava nada. Era algo que fazia todos os dias, várias vezes ao dia.
- Por isso mesmo. – Rebateu a senhora. – Deves estar de rastos.
Quando foi a última vez que te serviram?
A cara que Sónia fez meteu-lhe dó. Pobre miúda! – Pensou. Seria ela
a sua próxima protegida. Mas, primeiro, teria que cuidar destes dois.
- Senta-te aqui e come uma fatia de bolo. Anda. – Ordenou mais uma
vez enquanto se servia o chá. - Pensaste no que te disse acerca do António?
Sentindo-se agradecida e com o coração cheio ao ouvir as
gargalhadas do filho vindas da sala, deu uma dentada no bolo e acenou com a
cabeça em sinal de confirmação.
- E então?
Demorou um pouquinho a mastigar, para ter tempo de formular a
resposta que ainda não estava bem certa de dar, e depois, lembrando-se do
quanto fora infeliz com o pai do Pedro que conhecera através das redes sociais,
disse:
- Eu vi o telemóvel dele sim. Não, queria. Não fiz de propósito. -
Defendeu-se. – Mas estava ali mesmo à mão, e ia-se molhar…- Bebeu um gole de
chá. – Hum, este chá é bom. É de quê?
- Dumas ervas que pra li tenho. – Respondeu, em calão, sem
paciência para conversas moles.
- E então? O que dizia para ele ficar assim alterado? -Insistiu.
Sónia suspirou.
- Era uma mensagem de uma “Maria” que quer encontrar-se com ele.
- Uma Maria? Como assim, “uma Maria?”
E Sónia, já animada e esquecendo-se das prudências e pruridos,
explicou à velha senhora o mundo dos sites de encontros, como funcionavam, e
quais os perigos que apresentavam.
Também havia, e ela conhecia um caso, gente que se dava bem. Nem
tudo era mau, concluiu refletindo sobre o que acabara de dizer. O António, por
exemplo. Se alguém o “fisgasse” teria sorte.
A expressão da dona Maria correu toda uma palete de emoções
enquanto escutava deliciada e horrorizada o relato de Sónia. No fim, parou um
bocado para pensar, e depois só disse:
- Temos de impedir que eles se encontrem.
Sónia concordou com a cabeça.
- Mas como? - Perguntou com a boca cheia de bolo.
A dona Maria fez cara feia a esse facto, e ela de imediato engoliu
o que tinha entre dentes.
Aprovando o gesto com a cabeça, a velha senhora continuou:
- Pois, não sei. Não sei como, mas temos de o fazer.
-Mãããe! – Gritou Pedrito da sala. – Já cabou o espisódio.
Sónia levantou-se como que movida por uma mola. Pegou nos pratos
mais uma vez para ao arrumar e mais uma vez a dona Maria a impediu.
- Teimosa a menina! Deixe estar, que eu tenho tempo. Vai-te lá
embora com o Pedrito e pensa numa maneira de impedir o encontro. Eu vou fazer o
mesmo e amanhã quando vieres trazer o Pedrito da escola nós falamos.
- Trazer o Pedrito da escola?
- Sim. Ou preferes que ele fique no café atrás do balcão? Ao menos
aqui está sossegado. E – Apressou-se a dizer perante o ar dela. – E, sempre me
faz companhia. No fundo é um favor que me fazes. – Disse para a convencer. E
não era mentira…
O dia para Carmo passou a correr.
A cliente mais complicada que tinha resolveu aparecer e complicar
mais as coisas, e como estava chateada com a Sandra, resolveu resolver tudo
sozinha sem lhe pedir ajuda, o que significou ter de ouvir a cliente, e
concordar com o que dizia, durante horas que lhe pareceram uma eternidade, e
fazer uma ginástica mental e diplomática, brutal, para convencer a cliente a
mudar de opinião sem lhe dizer que estava errada e que era absolutamente
ridículo e impossível o que queria. Não foi fácil, mas conseguiu. Com um
sorriso forçado, acompanhou a cliente até ao elevador e assim que ela entrou e
as portas se fecharam, deixou-se cair encostada à parede. Estava exausta.
Olhou para o relógio. Eram 20.00h, só queria ir para casa, tomar um
banho e ir para a cama.
Saiu do escritório deixando lá todos os aparelhos, inclusive o
telemóvel. Hoje seria um dia, melhor, uma noite, só para si. Amanhã logo
enfrentaria os desafios…
Foi por isso, por ter deixado tudo no escritório que não viu a
mensagem do António.
“Olá,
Maria!
Que
bom teres respondido. Também concordo que cara a cara as coisas são mais transparentes,
mas o objetivo deste site é o das pessoas se conhecerem um pouco melhor antes
de se encontrarem, não é?
Confesso
que para mim se torna difícil fazer conversa com um estranho/a, ainda para mais
num encontro cara a cara, sem ter a proteção do anonimato. Não sei quanto a ti,
mas demoro tempo a conhecer a pessoa e a sentir-me à vontade… (também sei que
esta não será, talvez a melhor maneira de se conhecer alguém…)
Pensei
um pouco antes de te responder e proponho-te um meio termo. Que tal marcarmos
encontro para daqui, digamos, 15 dias, e até lá irmos falando por aqui?
Começarmos a conhecermo-nos um pouco melhor?
Fico à
espera da tua resposta. Um beijo. António”.
Quem viu a resposta do António foi a Sandra e a Sónia, no dia
seguinte. A Sandra porque chegou mais cedo ao escritório e viu o tablet aberto,
onde o tinham deixado no dia anterior, e Sónia que aproveitou uma ida dele à mercearia
do lado para lho coscuvilhar.
Entretanto a dona Maria dava voltas à cabeça.
- E se? – Pensava. Mas depressa pinha a ideia de parte.
- E se me vez disso, fosse? – Não, também não servia.
Estava nestas cogitações quando o som da campainha da porta se fez
ouvir. Poisou o Rato no chão e foi espreitar. Era a Carmo. Com um sorriso genuíno,
abriu-lhe a porta.
- Então, Carminho. Como tem passado? Tem andado fugidia…
Carmo sorriu-lhe embaraçada. A verdade é que acordara com vontade
de tomar o pequeno-almoço com a vizinha, a quem queria como uma mãe e de quem
se tinha afastado nos últimos tempos.
Mostrando-lhe um prato com torradas e um termo com café, perguntou:
- Tomamos o café juntas? Hoje não me apetece ir cedo para o
atelier.
António, entretanto, regressado da mercearia, poisou as coisas em
cima do balcão e de imediato foi ver o telemóvel.
- Ultimamente não largas o “cismo” – Provocou-o Sónia.
- Hein?
- O “cismo”, o telemóvel. Ultimamente andas sempre agarrado a ele. –
Elucidou-o a empregada ao mesmo tempo que pegava no saco das compras e começava
a arrumá-las.
António encolheu os ombros e não respondeu. Não lhe devia satisfações
e não lhe apetecia ceder à provocação. Começou a cortar o pão para as sandes.
- Está na hora de começar a preparar o almoço. Hoje vai ser
bacalhau à Gomes de Sá. Descascas as batatas?
Sónia pegou nas batatas, mas não desarmou:
- Se eu não te conhecesse melhor, pensaria que anda aí passarinho
verde.
António ignorou-a mais uma vez. O que é que raios ela tinha hoje? Nunca
se metera na vida dele…
- Não é que tenha algum mal. – Ela descava as ditas cujas e falava
para o ar. – Está mais que na hora de arranjares alguém. Tens é de escolher
bem, e coisas pela net…
António parou o que estava a fazer e olhou-a furioso.
- Quem é que te disse que eu ando à procura de mulher na internet?!
Onde é que foste buscar essa ideia? Andas a ver o meu telemóvel?!
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