Carmo 12

 

À hora de almoço, sozinha no seu gabinete, e depois de ter visto uma mensagem do Rafael que se esquecera de apagar, Carmo resolveu responder ao António. Estava na hora de procurar homens mais maduros, desculpou-se.

Pegou na sandes e no café, foi buscar o tablet, e sentou-se no sofá reservado aos clientes. Deu um gole no café, uma dentada na sandes e enquanto mastigava abriu a aplicação e releu a mensagem do António.

- És mesmo totó! – Disse para si.

Acabou de mastigar e de engolir, bebeu outro gole de café e encolhendo os ombros num sinal de “quem não quer saber”, começou a escrever:

“Olá, António.  Espero que estejas bem.

Tal como tu afirmas dizer, eu também sou nova nestas andanças, e o escrever/falar desta forma também é, para mim, algo novo e desconfortável.  Já reparei, que somos ambos formais, comparando com outras mensagens que recebi, e talvez por isso te tenha escolhido para responder.

Não sou ingénua, que fique isso bem claro, sei que podes ser tudo menos o que aparentas, mas resolvi arriscar. Assim como assim, não espero mais de que um “pen pal" (lembras-te?!, pela idade que dizes ter, deves lembrar-te) pelo que pouco me importa o teu aspeto, idade e/ou sinceridade.

Perguntas-me então (imagino-te) por que raio resolvi responder. Pois, nem sei. Nem sequer posso dizer que foi um impulso, porque não foi. Foi…Uma tentativa, (ridícula, eu sei) de tentar trazer algo de novo à monótona vida que levo. Ou de arranjar um psicólogo barato, hehehe.

Pronto! Tenho dito. Se depois disto ainda quiseres falar comigo…

Nisto, Sandra, a sua colega e amiga irrompe pela porta, sala adentro, como um furacão, e dirigiu-se à secretária pegando no portátil e começando a mexer nele ao mesmo tempo que anunciava com um “ar de caso”:

- Menina! Nem vais acreditar no que tenho para te dizer, é só a maior bomba do mundo!

Perante uma Carmo parada com a força da invasão e da surpresa, avançou para ela, entregou-lhe o computador ao mesmo tempo que lhe tirava o tablet da mão, para que ela lhe prestasse toda a atenção, e ia atirá-lo para cima do sofá, quando reparou na mensagem que estava no écran.

- Olá…O que é isto?!

- Dá- me já isso! – Gritou Carmo que, entretanto, saíra do bloqueio e avançava para ela a grandes passos, com o computador na mão.

Mas Sandra ignorava-a e começava a ler o que Carmo tinha escrito.

- Ó não, não, não. Não acredito. Tu estás a responder a um…- Deslocou o écran para cima- Antônio?!

- Dá cá! – Ordenava-lhe Carmo perseguindo-a, sempre de computador na mão, não se lembrando de o poisar para melhor se poder movimentar. – Não tens o direito de ler.  É privado!

Mas Sandra já se tinha sentado e começado a mexer no aparelho.

- O que estás a fazer? - Gritou Carmo verdadeiramente irritada e alarmada.

- Estou a escrever uma nova resposta. - Respondeu-lhe a amiga com descaramento. – Mas que raio de resposta é esta?! – Levantou-se exibindo o aparelho no ar para melhor ilustrar a sua desaprovação

- Desde quando é que te tornaste nisto?! – Referia- se ao discurso demasiado sincero e até, na sua opinião, lamechas. – Um psicólogo?! Um pen pal?! Mas tens o quê? 80 anos?! - Onde está a mulher independente e arrojada que eu conheço?

Como resposta, Carmo encolheu os ombros e sentou-se. Também ela fazia a mesma pergunta.

Condoída com o ar desolado da amiga, Sandra poisou o tablet na secretaria e sentando-se ao lado dela abraçou-a.

- Então, miga. O que se passa?

Carmo limitou-se a abanar a cabeça. Ela também não sabia. Só sabia que se sentia assim, depois de Rafael a ter traído com uma miúda com metade da sua idade. E na sua casa. E foi o que disse ao fim de uns segundos.

Sandra olhou-a espantada.

- Isso é lixado. Eu sei. Mas o que estavas à espera do quê, ao enrolares-te com um puto da idade dele? E além do mais, tu até querias acabar com ele, lembras-te?

- Andavas prá cheia de problemas para não o magoar etc. e tal. Então? Devias estar grata. Só te facilitou a vida.

Sandra era assim. Pragmática. Prática.

Carmo, no entanto, não era, e por isso, levantou-se e foi até à janela. Olhou para a rua. Do outro lado da estrada havia um parque de carvalhos atravessado por um rio, que as pessoas atravessavam, ora num sentido, ora, nos seus passos ritmados em direção aos seus destinos, umas em modo acelerado, outras em passo lento detendo- se aqui e ali para apreciarem o rio que debaixo da ponte corria manso e langoroso.

O seu olhar fixou-se num jovem que passeava um cão. Era um rapaz de 20 e poucos anos, porte atlético, que levava pela trela um pastor alemão também ele de porte atlético. Faziam uma imagem bonita, e Carmo fixou- se neles. Atrás dela, Sandra falava emprestando à sala um som que embalava Carmo e a transportava para outra dimensão, sem que ela ouvisse o que quer que fosse que a amiga falava

O cão, de repente, deu um repelão na trela e conseguindo-se escapar, correu pela relva em direção ao café do parque. Ao café do António.

O coração dela deu um baque e como que puxada por uma mão impaciente retornou à realidade. Retornou ao escritório.

- Está s a ouvir-me?  - Sandra estava novamente com o tablet na mão. Já respondi ao teu “António”.

Em câmara lenta, tentado processar o que acaba de ouvir, Carmo virou-se para ela.

- Tu fizeste, o quê? – Perguntou naquele tom sereno que antecede o trovão.

- O que te disse. Perguntei-te 3 vezes antes de o fazer, como não respondeste…

Carmo estava sem reação. A “lata” da amiga era simplesmente…Impensável. Como é que ela se atrevera?!

- Como não respondi… - Respondeu num tom irónico e furioso.

Ao contrário dos seus movimentos, lentos, e do seu tom de voz, controlado, o seu cérebro funcionava desenfreadamente. Procurava alcançar a extensão da situação, procurava soluções para o problema e procurava uma resposta e uma ação que mostrassem o quanto estava indignada e o quanto ela tinha passado dos limites. Tudo ao mesmo tempo.

Sentindo tudo o que ela não dizia, sentido que, talvez, tenha “pisado o risco”, Sandra incomodada, tentava reagir.

- Então, como não respondeste, calculei que aceitavas. Já sabes, “Quem cala consente”.

Ia- se aproximando da porta e afastando da amiga numa inconsciente atitude de defesa.

Foi então que a tempestade explodiu:

Aos gritos, Carmo perguntava-lhe com que direito ela tinha feito aquilo, o que ela tinha dito, como é que iria resolver a situação, ao mesmo tempo que, perdendo o controle a insultava com nomes e expressões pouco recomendáveis, mas que entre amigas como elas era algo que não deixaria marca. Magoava. Sim. Indignava. Sim. Mas deixar marca. Não. Já tinham passado por muito juntas para que isso acontecesse.

- Tu estás proibida, PROÍBIDA, Ouviste? De tocar em qualquer correspondência minha. E agora vais resolver a situação.

- Como? – Perguntou já com o corpo fora do escritório e a cabeça a espreitar pela porta entreaberta

- Como? Não sei. Foste tu que arranjaste o problema. Agora resolve-o.

António leu a mensagem de viés e arrumou o telemóvel.  Emprestou um ar de normalidade à situação, mas o seu coração, porém, demorou um pouco a voltar ao ritmo normal, já a tonalidade vermelha da sua cara permaneceu por mais tempo do que ele desejava.

A dona Maria e a Sónia olhavam-no atentas. Não lhes tinha passado despercebidas as alterações que o seu rosto e a sua postura sofreram.





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