Anna

Era mais um dia. Anna não se queria levantar, não queria sair do mundo dos sonhos. Era um mundo bem mais interessante do que o dela. Afinal de contas o que a esperava? Mais um dia igual ao de ontem e ao de amanhã.
Não se podia dizer que a vida de Anna fosse monótona, ou triste. Entre o trabalho, as saídas com os amigos, o trabalho comunitário ao fim de semana, é a família, Anna tinha na verdade, muito pouco tempo livre para se sentir só. Mas a verdade é que se sentia. Faltava-lhe algo. O quê, nem ela bem o sabia.
Foi então num sábado à noite, enquanto distribuía refeições pelos sem abrigo que ela o sentiu. Primeiro sentir-se observada, depois incomodada. Olhou em redor. Nada viu e continuou. A sensação não desaparecia. Olhou melhor e viu-o.
Era um homem vulgar, intemporal. Passaria despercebido em qualquer lugar, no entanto olhava -a de uma forma intensa, profunda. Retribuiu o olhar na esperança que ele o desviasse mas ele manteve-se, firme, seguro, meigo. Anna não aguentou. Baixou os olhos e empenhou se mais arduamente no seu trabalho. Esteve assim uns momentos até que o procurou novamente. Já lá não estava.
- Parva. - pensou.
Os dias passaram e a vida voltou à rotina. Bem, não propriamente à rotina pois Anna não o conseguia esquecer. Todas as vezes que lá ia o coração acelerava-se e procurava-o com o olhar. Nada. Nem sinal. Sentia-se cada vez mais parva.
Foi então que na antevéspera de Natal , enquanto entregava uma sopa que ela o viu:
- Posso ajudar-te?
Ainda sem se virar ela soube. Entregou lhe a sopa e as mãos tocaram-se. Os olhares cruzaram-se e falaram aquilo que nunca foi dito. As mãos sentiram aquilo que nunca foi sentido. A vida nunca mais foi a mesma...




Comentários

  1. Os momentos felizes, como os encontros inesperados de almas, são como uma poeira lenta e luminosa à nossa volta. Acontecem, simplesmente, a quem tem o coração aberto e, nele, um espaço aberto que deixa que tudo aconteça.
    Anna... o conto podia continuar. ��

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  2. Boa tarde, Maria João. É tão bom quando alguém vê o conto além das palavras que estão escritas...Obrigada...

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