Madalena

Madalena era uma Maria chorona.         
Chorava por tudo e por nada. Tudo lhe servia de pretexto, desde a comemoração de algo bom e ternurento à manifestação de pesar por algo que considerava terrível. Fosse com ela ou não. 
Era de tal modo chorona que os seus amigos lhe chamavam por brincadeira, Madalena Arrependida. 
Era um termo carinhoso, porque o que lhe sobrava em lágrimas faltava lhe em maldade. 
Era uma pessoa meiga, boa generosa, mas... Chorona. 
Não se pense que Madalena era uma pessoa sem interesse.
 Não.
Era pelo contrário, uma mulher muito inteligente, ativa, uma mulher de causas e por elas entregava-se de alma e coração, e alegrava- se ou sofria consoante as batalhas fossem ganhas ou perdidas.
Madalena tinha a noção que era incompreendida pela maioria dos amigos que consideravam o trabalho dela, numa instituição social, um trabalho menor quando comparado com advocacia, ou medicina, ou gestoras de grandes empresas que eles próprios exerciam.
E todos faziam ouvidos moucos, e se afastavam quando ela dramatizava algo.
Bem, todos não.
Madalena tinha uma amiga, que desde pequeninas, lhe falava sobre a importância  das lágrimas.
As lágrimas para a Maria, a sua amiga mais querida, eram um assunto muito sério.
Não eram para ser usadas de qualquer maneira, e tentava fazer com que a Madalena percebesse isso, usando muitas vezes lugares comuns, mas que aplicavam às diferentes situações por ela vividas.
- Não deves chorar por quem te magoa, que fez o mal foi ele, e tu é que sofres? – dizia-lhe quando o marido a abandonou, indo viver com uma colega de ginásio.
-Lembra-te do que eu te digo desde miúdas…
Madalena acenava com a cabeça e enxugava as lágrimas e continha-se na presença dela, mas assim que esta virava as costas, “abria novamente a torneira” e as lágrimas apareciam.
- Não deves deixar que  te magoe quem quer, apenas quem tu permitas, e isso só em ocasiões especiais. – disse-lhe quando uma colega a difamando conseguiu a promoção por ela tão ansiada.
-Lembra-te do que eu te digo desde miúdas…
- Isto é um momento de alegria, vais estragá-lo – dizia-lhe quando ela chorava nas festinhas da escola do miúdo.
-Lembra-te do que eu te digo desde miúdas…
- Cuidado com essas lágrimas, ainda vais estragar o bolo – disse-lhe aquando da festa de graduação da faculdade do seu filho.
-Lembra-te do que eu te digo desde miúdas…
E a Madalena ouvia os conselhos da sua amiga e acabava sempre a sorrir quando ela lhe dizia:
-Lembra-te do que eu te digo desde miúdas…
Ora, num dia, a Madalena estava triste, estava mesmo muito triste. Tinha ajudado uma família em tudo o que ela necessitava, tinha feito um esforço enorme para que não lhes faltasse nada, tido enfrentado tempestades e trovões para que eles tivessem uma casa, e no fim, eles testemunharam contra ela, quando a tal colega que lhe tinha roubado a promoção, a acusou, injustamente, de ter contornado as regras para alcançar esses feitos, e embora a situação já estivesse esclarecida, e a colega tivesse sido despedida e ela tivesse alcançado a promoção, estava tão triste, tão triste, que mais uma vez as lágrimas corriam “em bica” pelo rosto abaixo.
Chegou a casa, e ligou para a Maria à procura de conforto, mas a Maria estava fora da cidade e não podia ir ter com ela, e estas coisas não se desabafam por telefone…
-Bolas. – pensou. – O dia não podia ser pior…
Tomou um duche, vestiu o pijama, e, sem jantar, foi-se deitar.
A princípio não conseguia dormir, a situação de injustiça andava às voltas na sua cabeça fazendo o corpo dar tantas voltas na cama, como as voltas que os pensamentos davam. Por fim lá adormeceu, o cansaço tomou a melhor sobre o choro, e o sonho veio.
Madalena sonhou que estava numa floresta mágica onde as plantas riam, cantavam e falavam umas com as outras e com ela também.
Tudo era feliz, tudo era perfeito, até que num momento de silêncio, Madalena ouviu uns gemidos de dor.
Colocou as mãos em concha sobre as orelhas e fazendo um sinal com os lábios para que todos se calassem começou a caminhar em direção ao choro.
Depois de caminhar alguns metros, estacou. Ouvia os gemidos, mas não via ninguém a sofrer. Abriu mais os olhos e apurando os ouvidos, viu por fim, uma pequena planta, murcha, quase morta de sede.
Comovida, perguntou-lhe o porquê daquela tristeza e então, entre muitos lamentos a plantinha lá lhe contou o que se passara.
Madalena, solidária, também partilhou a sua história com ela.
 Era engraçado como eram parecidas.
Era de facto uma história triste e no meio de tanta tristeza, havia ainda a agravante de a planta estar a morrer de sede, pois as outras plantas à sua volta, cresceram tanto e tão viçosas que a água da chuva não chegava até ela.
Madalena sentiu de imediato um desejo de a ajudar e baixando-se, afagou-a com carinho e perguntou o que podia fazer para a ajudar.
- Podes dar-me água. – disse ela.
- Mas como? – disse angustiada. Não tenho nenhuma água comigo, e aqui não há nenhum rio…
A plantinha calou-se por uns momentos. Pensava numa solução.
A Madalena quase podia ver o seu ar de pensativa. De repente, ela disse-lhe;
- Já sei. Podes chorar, e com as tuas lágrimas, regares-me. Afinal de contas tu não choras por tudo e por nada?
Madalena Riu-se. Era verdade. A solução era realmente fácil, ou assim o parecia.
Madalena tentou chorar. Fez um esforço enorme. Lembrou-se das coisas boas, lembrou-se das coisas más até deu um pontapé valente numa rocha para ver se tinha lágrimas de dor, mas … Nada. Nem uma só pinga. Tinha esgotado todas as lágrimas.  
Não iria salvar a planta, ela iria morrer à sede.
No meio do desespero veio-lhe á cabeça a frase que a amiga lhe dizia quando eram pequeninas:
-Olha que tu a chorares dessa maneira gastas as lágrimas e um dia quando precisares, quando realmente precisares, não as tens…
A aflição era tanta que a fez acordar do sonho, apercebendo-se depois de alguns momentos de confusão, que estava na sua cama, sem plantas à volta   a precisarem de ser socorridas.
Sentiu-se aliviada, e sentiu-se estranhamente feliz.
Finalmente tinha compreendido a importância das lágrimas e doravante iria guardá-las muito bem guardadas, até que uma situação muito especial as merecesse.
A partir desse dia, Madalena nunca mais chorou por tudo e por nada, e os amigos, carinhosamente passaram a chamá-la de "ex-Madalena" arrependida.



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