Queen Vitoria

   Vitória era mãe de 3 filhos. João, Maria e Raquel. Vivia sozinha com eles porque o pai deles há muito que os abandonara. Fora para o estrangeiro, trabalhar para uma empresa que lhe fizera uma proposta que ele não podia perder de modo algum. Levá-los com ele não fora sequer uma opção.
   Ela adorava os filhos acima de tudo e foi por eles, por esse amor incondicional que sentia, que deixou os seus sonhos, que se esqueceu de si.
   Como estava sozinha a educá-los, a cuidá-los a amá-los ela tinha que ser uma guerreira.     Tinha que batalhar todos os dias para por comida na mesa e pagar as contas e ainda ter tempo para lhes dar atenção, educação e carinho.
Vitória. – dizia-lhe o pai quando ela era pequena. - Tens o nome de uma rainha, porque tu hoje és a minha princesa, mas amanhã serás a rainha de alguém. E vitoria acreditava e sentia-se feliz.
   Mas a vida dá muitas voltas, e com tudo o que lhe aconteceu, a guerreira que existe em todas as mulheres apareceu e disse à princesa que se trancasse no castelo. Na vida real não havia lugar para ela. E a princesa Vitória foi para o castelo. E a guerreira Vitória saiu para a rua.
   Era uma mulher dura, forte, batalhadora. Uma leoa a defender a crias. Somente elas importavam.
   O sonho de Vitória era ser repórter, fazer noticias, contar ao mundo o que se passava, mostrar aa injustiças, elogiar a bondade. Gostava de viajar, conhecer novas realidade, aprender com elas e partilhar esse conhecimento pelas noticias. E chegara a sê-lo. Antes de ter filhos e de o pai destes não ter aguentado a "pressão" de ter que tomar conta deles enquanto ela se ausentava por um dia ou dois. Pobrezinho…
   Então, quando o mundo desabou em cima de dela, quando ela ficou só com os 3 miúdos, pequenos, e sem casa, porque a tivera que vender, e sem apoios, ela ficou também sem o seu sonho. Aquele trabalho não o podia fazer mais. Tinha que ficar por cá, tinha que ter um ordenado estável e seguro.
   E foi assim que a princesa Vitória foi para o Castelo.
   Num dos muitos dias de luta ela saiu atrasada do trabalho. Aquele dia tinha sido um dia particularmente difícil. O trabalho não correra bem, discutira com um colega, forte e feio, na autoestrada um acidente empatava todo o trânsito e os miúdos estavam ainda na escola. À espera.
   "Fogo"! - desabafou. - Isto não pode continuar assim. Não vou aguentar isto por muito mais tempo.
   Entretanto toca o telefone. Era da escola, o pequenino estava a arder em febre. Ela ainda demoraria muito?
    telefonema foi a gota de água. As lágrimas começaram a escorre-lhe cara abaixo. Sem ver, deixou descair o carro para a faixa da direita e quase, quase embateu no carro do lado.    
   Levou uma apitadela. Foi o suficiente para despertar. Enxugou as lágrimas, enfiou-se para a faixa do meio e na próxima saída, saiu da autoestrada. Não conhecia bem o caminho por ali, mas haveria de lá chegar. De certeza que era mais rápido do que ficar presa no trânsito.
   No rádio passava uma musica de alento que falava em força, luta e de que como se lutando se chega onde quer. Desta vez ela ouviu-a. Sacudiu os cabelos longos e ruivos, rebeldes como ela e retomou a atenção ao caminho.
   Chegou à escola, e o mais pequenino estava ao colo da educadora. Os mais velhos estavam com os outros que como os filhos dela eram dos últimos a sair da escola.         Felizmente, ou infelizmente nunca nenhum miúdo ficava sozinho. Havia sempre pelo menos algum a fazer companhia.
   Olhou para o pequenino. Tão frágil, tão pequenino, a carinha estava vermelha da febre, e os olhitos mortiços. Partiu-se-lhe o coração.
   - Já lhe dei Ben-u-ron e Brufen- Disse a educadora. - A febre não baixa. Será melhor levá-lo ao hospital. Anda aí um surto pneumonia.
   - Hospital? Sério? e os outros? – A cabeça de Vitória estava a “mil”. Lá teria que pedir à     Sandra, a sua vizinha e quase irmã, para ficar com os miúdos mais uma vez, enquanto ela iria com o pequenino ao hospital. Felizmente moravam perto da escola e do hospital. Com um pouco de sorte estaria em casa antes da 23h..Ainda os deitaria.
   Deixou as miúdas em casa e foi até ao hospital. Estranhamente não estava ninguém na urgência pediátrica. Era hora do jantar. pensou. Ainda bem, assim seria mais rápido.
   Fez a inscrição e de imediato foi chamada. O médico observou o pequenino, auscultou-o, fez-lhe vários exames, e foi reunir com um colega. A mãe que esperasse um pouco. João, entretanto, adormecera ao colo de Vitória. Passada cerca de meia hora, o médico veio ter com ela, e com uma cara séria disse-lhe
   - Mãe, ele tem que ficar. Não estou a gostar do que estou a ver. Vamos ter que fazer exames.
   - Ficar? como ficar? internado? – Mas o que é que ele tem? - perguntou alarmada.
   - Ainda não sabemos. Vamos esperar pelos resultados. Vamos deitá-lo ali naquele quarto. 
   E indo à frente levou-os até a um quarto com duas camas. Uma estava vazia, na outra estava uma menina, também a dormir.
   Vitória deitou o pequenino e saiu para o corredor para ligar à Sandra. Sandra como sempre, foi o seu suporte.
   - Vá, fica tranquila. - disse-lhe. - Eu trato desta parte. Sabes que estou sempre aqui. Trás, mas é meu "pantufa" são e salvo.
   Vitória desligou e rezou uma oração. Ela que não era de rezar. Mas desta vez rezou.     
  Agradeceu pela Sandra e pediu pelo filho, pediu por todos. pediu por ela.
  Depois acalmou-se. Pôs um sorriso no rosto e foi ter com o pequenino ao quarto.     Continuava deitado na caminha a dormir. Parecia tão tranquilo. Ao lado da outra cama estava a mãe da menina (deveria ser a mãe). Estava sentada num sofá ao lado da cama a escrever no computador.
   - Boa noite- disse Vitória
   - Boa noite- sorriu ela
   Vitória não disse mais nada, agarrou na mão do filhote e fechou os olhos. Estava tao cansada...
   Os dias foram passando e os dois pequeninos continuavam internados. Uns dias melhoravam, outros dias regrediam e as mães, pelo contacto, pela partilha do sofrimento, pela partilha do ser “mãe”, acabaram por se tornar amigas. No entanto, a Vitória fazia muita confusão aquela mãe estar sempre a escrever, e um dos dias perguntou-lhe, meio a medo, o que tanto escrevia.
   - Contos- respondeu com simplicidade.
   - Contos? que tipo de contos? como era capaz de escrever contos quando a filha estava ali, doente?
V   itória estava chocada. E disse-lho. Ela era assim, era franca e direta. A outra senhora, que se chamava Clarisse, sorriu. Não era a primeira pessoa que a interrogava, que a confrontava. Já estava habituada. E então ela explicou-lhe, que os contos era o seu refúgio, o seu sonho, e ela acreditava no sonho e que cada vez que sonhava dizia uma prece e sabia que as preces têm força.
   - As palavras têm muita força, explicava.
   - Mas escreves para alguém? Publicas? - O lado guerreiro de Vitória insistia.
   - Não. as palavras são uma oração, são dirigidas a Deus, ao universo.
   - Posso ler?
   - Claro que sim- Disse-lhe enquanto lhe passava o computador para as mãos.
   Vitória leu e releu, e a princesa apareceu. Juntou-se com a guerreira. E aos poucos foi fazendo Vitória voltar a acreditar no sonho.
   - Vou ajudar-te. - Disse.
   - Como? Eu não preciso de ajuda. - Respondeu Clarisse
   - Espera. Vais ver. Para já vou orar contigo.
   A oração resultou, os miúdos ficaram bons e saíram do hospital.
   Elas continuaram amigas, eram muito diferentes e por isso se davam bem. Uma completava a outra e puxava a outra para o meio quando esta se afastava para os extremos.
   Vitória voltou a luta do costume, mas a princesa tinha saído do castelo. Já não queria voltar.
   Ela mexeu-se, contactou antigos colegas, pegou nos contos de Clarisse e furou, furou, até que reencontrou Mário, um antigo colega, que acreditou nela, nelas. Tal como Vitória também acreditava em valorizar o bem. Combinaram encontrarem-se brevemente para discutir o assunto.
   E encontraram-se. E discutiram o assunto e os projetos e os sonhos, e a vida.
   O tempo passou e as preces foram ouvidas, e os sonhos espalhados. A princesa Vitória cresceu e deu lugar à rainha Vitoria… Rainha ao lado do seu rei.


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